A estiagem severa que atinge o Paraná há mais de um ano preocupa produtores rurais sobre a possibilidade de perdas ou ao menos de queda de produtividade para as próximas safras.
A falta de chuvas em setembro fez o plantio da soja atrasar, forçou o replantio em algumas áreas e vai mudar também a data da colheita. Mesmo impacto pode atingir a semeadura do milho.
Além dos atrasos, a previsão do tempo para os próximos meses não anima os agricultores, pois a chuva não se mostra suficiente para fortalecer as plantas da forma mais adequada, apesar de dezembro ter surpreendido com temporais volumosos e bem espalhados.
“A tendência é que sejam períodos ainda um pouco abaixo do que normalmente chove”, afirma o geógrafo da UFPR (Universidade Federal do Paraná) Pedro Fontão. Ele diz que essa condição mais seca também vem agora como efeito do La Niña.
“O agricultor não precisa só de chuvas em grande volume, mas de boa distribuição dessa água, o que não tem ocorrido.”
É desse volume e distribuição que ainda depende o desenvolvimento dos 175 hectares de soja plantada em outubro por Diogo Sezar de Mattia, em São Miguel do Iguaçu, extremo oeste do Paraná, região já conhecida pelo calor intenso nesta época do ano.
“Mesmo atrasando o plantio, tivemos um déficit hídrico que fez com que a germinação da semente não fosse a ideal. Depois, veio um novo período de seca. A planta estava muito feia, não estava aguentando o sol. Há 15 dias, tivemos uma chuva boa, que trouxe ela de volta, mas certamente a safra já está comprometida, em quantidade ainda a ser mensurada.”
Como ele conta, esse cenário mais dificultoso é bem diferente do que os produtores encontraram na época de plantio em 2019, que rendeu ao Paraná o recorde histórico de produtividade em 2020, com a colheita de 20,7 milhões de toneladas de soja.
“Aquele momento também era de seca, mas a chuva caiu nos momentos certos, o que foi decisivo para chegar a esse número”, aponta Salatiel Turra, chefe do Departamento de Economia Rural (Deral) da Secretaria da Agricultura e do Abastecimento do Paraná.
Como a colheita fruto do plantio de 2019 foi “excepcional” para o produtor paranaense, Turra tem a avaliação de que a espera para 2021 ainda está dentro da normalidade e até pode superar as expectativas. A projeção, até então, é colher ao menos 20,3 milhões de toneladas do grão.
Hoje, como ele aponta, apesar de alguns casos pontuais, 96% das lavouras do estado apresentam condições boas ou medianas. Apenas os restantes 4% dificilmente conseguirão se recuperar. “Não diria que haverá perdas, mas redução da produtividade”, afirma.
A mesma avaliação faz Ana Paula Kowalski, assistente técnica da Federação da Agricultura do Paraná (Faep), que já vinha alertando os proprietários a só colocar as sementes no solo com uma boa condição de umidade.
“Quem plantou com umidade adequada conseguiu um desenvolvimento bom, mas a fase da floração ainda é preocupante. Se não tiver aporte de umidade suficiente, pode sim haver prejuízo de produtividade porque o grão não enche adequadamente, e a planta acaba produzindo menos.”
As mesmas preocupações em torno do clima para o cultivo da soja, principal grão do Paraná, estão no radar dos produtores de milho , principalmente sobre a safra de verão, com plantio até fim de janeiro.
Apesar de otimista com o alto preço do produto, o setor vem de um impacto negativo da colheita de outubro, em que houve perdas de 1,4 milhões de toneladas no estado.
“Pode ser que cheguemos à entressafra com estoque negativo. Não que o produtor não tenha plantado, mas o clima não vai deixar colher a safra cheia”, diz Paulo Bertolini, agricultor de Castro, município dos Campos Gerais do Paraná, região forte nesse cultivo.
Como ele explica, o valor do produto tem compensado as perdas, mas há receio sobre o futuro caso a seca perdure. “Não sabemos, por exemplo, qual será o preço dos insumos.”
O mesmo cenário de estiagem impactou as colheitas de trigo e cevada, já finalizadas no estado. Apesar de resultados comparativamente melhores do que do ano anterior, as produções ficaram abaixo do potencial inicialmente estimado quando do plantio.
Já o feijão paranaense ainda está se desenvolvendo – apenas 5% das áreas plantadas já foram colhidas. Mesmo assim, a expectativa também é de perdas em relação aos períodos anteriores. Comparando com a safra de 2019, houve queda de quase dez pontos percentuais no número de lavouras consideradas em boas condições, de 88% para 78%.
Mesmo diante da situação controversa, a alta demanda mundial por grãos, aquecida pela briga comercial entre EUA e China, e o câmbio favorável aos produtores devem cobrir as perdas impostas pelo clima seco no Paraná.
Eugênio Stefanello, professor da UFPR e doutor em engenharia de produção, acrescenta que, atualmente, os produtos estão sendo negociados com valores ainda mais altos que os de safras anteriores.
“Além disso, ainda havia o auxílio emergencial fazendo a diferença, já que as famílias vinham gastando mais com alimentação em casa. O auxílio foi encerrado em dezembro.
Como a demanda por carnes também está aquecida internacionalmente e os animais também dependem de farelos de grãos para se alimentar, Stefanello não exclui a possibilidade de o estado precisar importar mais volumes de produtos.
Assim, ele acredita que cenas como a primeira importação de soja da história do Porto de Paranaguá, no início de dezembro, possam se repetir. Na ocasião, atracaram 30,5 mil toneladas do produto para abastecer o mercado interno. Apesar de ser considerado pequeno, esse foi o maior volume comprado pelo Brasil dos EUA desde 1997.