O Congresso Nacional promulgou a Emenda Constitucional 109/2021, que dá mais rigidez às medidas de contenção fiscal, controle de despesas e redução de incentivos tributários. O texto é resultado da análise da PEC Emergencial, aprovada pelo Senado, em 4 de março, e pela Câmara dos Deputados, no dia 12 do mesmo mês. A normal também permite que governo federal pague, em 2021, um novo auxílio emergencial à população vulnerável afetada pela pandemia.
Alguns pontos da norma impactam diretamente nos municípios, como o artigo 29-A, que determina que o total das despesas do Poder Legislativo municipal – incluídos os gastos com vereados e pessoal inativo (aposentados e pensionistas) – não poderá ultrapassar os percentuais de arrecadação de impostos e de transferências, previstos na Constituição (§ 5 do art. 153 e nos arts. 158 e 159). Antes da Emenda, esse limite não incluía os gastos com o pessoal inativo.
Para César Lima, especialista em orçamento público, a mudança pode sobrecarregar o Legislativo municipal.
“As Câmaras de Vereadores maiores, que têm volumes de inativos maiores, podem ter esse limite comprometido. Se ele [Poder Legislativo] passava 7% para pagar tudo – menos os inativos – agora vai continuar passando no máximo 7%, mas para pagar também os inativos. Pode haver uma sobrecarga nos poderes Legislativos em relação ao seu custeio”. César explica que a situação pode se agravar, com a queda da arrecadação, ocasionada pelo desaquecimento econômico durante a pandemia.
O presidente da Associação Brasileira das Secretarias de Finanças das Capitais (Abrasf) e secretário municipal de Finanças de Curitiba (PR), Vitor Puppi, defende a medida.
“A medida é de plena justiça, afinal o Poder Legislativo gasta efetivamente esses valores com os aposentados. Esse valor precisa aparecer em algum lugar e ter algum limite. É preciso lembrar que quando a pessoa se aposenta ela não deixa de estar vinculada ao estado; seja União, estados ou municípios”, avalia.
O artigo 169 também trata sobre as despesas gerais com pessoal ativo e inativo da União, dos estados e dos municípios – e não apenas os funcionários do Legislativo –, não podendo exceder os limites estabelecidos pela Lei de Responsabilidade Fiscal. Antes da EC 109/2021, o pessoal inativo não era contabilizado.
A consequência de ultrapassar esses limites, segundo César, pode chegar à demissão de servidores.
“Quando você coloca esse pessoal [os inativos] no cálculo, você diminui a capacidade do gasto. Isso incorre em algumas providências que os estados e os municípios têm que tomar: diminuição das despesas; diminuir carga horária de trabalho, com diminuição de salário; diminuir cargos em comissão; e, como último recurso, demitir servidores, inclusive, os estáveis”, explica.
Contenção de gastos
Outro ponto que impacta todos os entes federados, inclusive os municípios, é o artigo 167-A, que estabelece um mecanismo de contenção de gastos, se as despesas superarem 95% da receita corrente. César Lima detalha os impedimentos para quando o município atinge esse gatilho.
“Legislativos municipais, em sua grande maioria, não vão poder fazer concurso público. Pode ser até que alguns concursos, que já estejam em andamento, tenham que ser cancelados. Não pode haver nenhum tipo de alteração na carreira, que suponha um aumento de despesa. Temos inserido [nesse cenário] o pessoal da saúde, guardas municipais, poder Legislativo e Executivo municipal”, explica.
O especialista ressalta que, no caso do governo federal, esses gatilhos só poderão ser ativados depois de 2025. Já para a grande maioria dos municípios (90%), a medida vale de imediato, uma vez que o poder de arrecadação municipal é menor, e o desaquecimento econômico, provocado pela pandemia, diminui a capacidade de endividamento.
Do artigo 167-B ao 167-G, a norma refere-se aos gastos durante o período de calamidade pública aprovado pelo Congresso Nacional, como comenta César.
“Nas ações de combate a pandemia, [pode-se] utilizar o regime diferenciado de contratação; tem dispensa de licitação. É um método mais simplificado, só que ao mesmo tempo bem arriscado, que com certeza os Tribunais de Contas vão ficar de olho. Todos vão poder usar esse regime, quando estiver em estado de calamidade aprovado pelo Congresso”, comenta.
Regra de ouro dos Municípios
César Lima ressalta a regra de ouro dos municípios, que impede o governo de pegar empréstimos para pagar pessoal.
“Está estabelecido, no artigo 167, que o governo pode pegar empréstimo para financiar seus investimentos, que agregam valor e aumentam a capacidade de prestação de serviço. Mas não pode pegar empréstimo para pagar o pessoal da saúde que está linha de frente no combate da pandemia.”
Segundo a Constituição Federal, se o governo quiser pegar um empréstimo para pagar pessoal, é necessário autorização da maioria absoluta do Poder Legislativo.
Repasses duodecimais
O artigo 168 também afeta os municípios quando proíbe a transferência de recursos dos repasses duodecimais (custeio do Legislativo pago mensalmente) para algum tipo de fundo. Segundo o especialista em orçamento público, César Lima, a medida não impacta tão fortemente os municípios, quanto a União ou os estados, já que os Legislativos municipais possuem pouca ou nenhuma sobra de recursos para colocar em fundos.
O presidente da Abrasf, Vitor Puppi, lamenta a decisão alterada pela Câmara, já que a versão do texto do Senado, permitia que o Poder Executivo utilizasse uma margem maior de espaço fiscal para atravessar a crise da pandemia.
Outra mudança é com relação ao contingenciamento das despesas, que até então era apenas de responsabilidade do Poder Executivo. Agora, os Poderes Legislativo e Judiciário – nas esferas municipal, estadual e federal – devem contribuir com o controle de despesas, especialmente em época de baixa arrecadação.
“Se o Poder Executivo disser: eu vou ter que congelar 10% de minhas despesas, porque a projeção das minhas receitas vai ser 10% menor, o Poder Legislativo e o Judiciário, também vão ter que congelar suas despesas em 10%”, exemplifica César.
Auxílio Emergencial
Diferente de 2020, para este ano, a EC 109/2021 estabelece um valor limite de R$ 44 bilhões a ser gasto com auxílio emergencial. No entanto, essa verba extraordinária não faz parte do teto de gasto com empréstimos.
Na quinta-feira (18), o presidente da República, Jair Bolsonaro, assinou uma Medida Provisória que institui quatro parcelas mensais no valor médio de R$ 250, a serem pagas a partir de abril. O governo estima que o pagamento vai beneficiar 45,6 milhões de famílias e o investimento pode chegar a R$ 43 bilhões, incluindo os custos operacionais do programa.
Do total, R$ 23,4 bilhões serão destinados ao público já inscrito em plataformas digitais da Caixa (28.624.776 beneficiários), R$ 6,5 bilhões para integrantes do Cadastro Único do governo federal (6.301.073 beneficiários) e outros R$ 12,7 bilhões para atendidos pelo Programa Bolsa Família (10.697.777 beneficiários).
O auxílio emergencial 2021 será pago somente a famílias com renda per capta de até meio salário mínimo e renda mensal total de até três salários mínimos. O benefício será limitado a uma pessoa por família, sendo que mulher chefe de família monoparental terá direito a parcela de R$ 375, enquanto que o indivíduo que mora sozinho (família unipessoal) receberá R$ 150.
O presidente da Abrasf, Vitor Puppi, avalia que o benefício contribui para aumentar a arrecadação dos estados e municípios.
“Nós já tivemos reflexos no último ano, em especial no comércio. Para os municípios, esse valor tem muito mais reflexo na contraparte que é recebida do ICMS, que é recolhido pelos estados. Mas é claro que isso também influencia no setor de serviços e acaba auxiliando, em parte, na arrecadação”, avalia.
Com o agravamento da pandemia no Brasil, Vitor Puppi defende que o governo federal continue angariando recursos para que os serviços de saúde, assistência social e transporte público não deixem de funcionar.
“Precisamos achar mecanismos inteligentes que, ao mesmo tempo, não piorem a situação fiscal da União, mas também não encerrem a prestação de serviços públicos à população nesse momento de crise”, recomenda.