Para uma vacina ser aprovada no Brasil, a Anvisa (Agência Nacional de Vigilância Sanitária) analisa, entre outras informações, dados de como ela é produzida, como foram feitos os estudos que chegaram à conclusão de segurança e eficácia, como ocorre o controle de qualidade e como será o monitoramento após a liberação para a população.
O produto entra na campanha de imunização do país apenas após o aval do órgão regulador. Com a pandemia, esse processo ganhou novas regras e prazos específicos.A seguir, leia perguntas e respostas sobre o processo de aprovação das vacinas contra a Covid.
Quem decide a aprovação e como ocorre esse processo?
A análise é feita pela Anvisa, órgão que regula medicamentos e vacinas no país. Para as vacinas, há dois modelos principais de aval: o registro e o pedido de uso emergencial.
Qual a diferença entre esses processos?
O registro ocorre quando há estudos completos sobre a vacina. Já o uso emergencial abre espaço para vacinas que já tenham dados de segurança e eficácia, mas que ainda podem ter estudos a serem concluídos.
Com o aval emergencial, o uso fica limitado preferencialmente a campanhas públicas e ao período de pandemia. Já o registro dura mais tempo e permite também que as vacinas possam ser comercializadas na rede privada.
Os prazos também são diferentes: enquanto para o registro é de até 60 dias, para o uso emergencial, varia de sete dias úteis -para vacinas com estudos no Brasil, ou seja, que já tiveram dados analisados da agência- a 30 dias -para aquelas com estudos no exterior. A contagem pode ser suspensa temporariamente em caso de falta de documentos.
Que tipo de documentos são exigidos?
A lista varia de acordo com o modelo de aval. O uso emergencial, por exemplo, exige uma lista mais enxuta de documentos em comparação ao registro.
De forma geral, são cobrados desde dados básicos, como nome e endereço do fabricante, lista de locais de fabricação e características da vacina, até o histórico de desenvolvimento do produto, descrição e resultado dos estudos clínicos -que apontam dados de segurança e eficácia-, informações sobre processo de produção e controle de qualidade, além de um plano de gerenciamento de riscos.
O que pesa mais na análise?
Gustavo Mendes, gerente-geral de Medicamentos da Anvisa, aponta quatro pontos principais.
O primeiro está nos dados de estudos de eficácia e segurança, que vão desde testes laboratoriais e em animais às fases de pesquisa clínica em humanos. “Tudo isso tem o objetivo de mostrar o quanto a vacina funciona e quão segura ela é”, afirma.
Em seguida, vêm informações de biotecnologia e qualidade, que apontam como a vacina é elaborada e quais os parâmetros de controle do produto, como presença de impurezas.
O terceiro ponto é a verificação do que se chama de boas práticas de fabricação, que são as condições em que a vacina é produzida em larga escala.
O último ponto é o plano de farmacovigilância, que envolve a estratégia de monitoramento de possíveis eventos adversos não observados em estudos anteriores e o do desempenho da vacina na população.
Recebido o pedido, como é feita a análise?
A primeira etapa envolve uma triagem dos documentos para verificar se estão de acordo com as exigências. Caso faltem documentos, a agência comunica o fabricante para recebê-los.
Em seguida, é iniciado o processo de análise, dividido pelas áreas técnicas da agência. São observados parâmetros definidos com outras agências e fóruns internacionais, como o ICH (Conselho Internacional de Harmonização de Requisitos Técnicos para Registro de Medicamentos de Uso Humano, em tradução livre), do qual a Anvisa faz parte.
A equipe verifica, por exemplo, se não há falhas na metodologia e quais os padrões usados, compara o protocolo inicial do estudo com os resultados obtidos e verifica se testes feitos nos lotes são adequados para mostrar a integridade das vacinas. Também refaz cálculos estatísticos.
A análise é feita em cima de relatórios e dados brutos do estudo.
Mendes diz que não cabe à Anvisa refazer testes em laboratório, mas, sim, analisar os dados enviados.
Para verificação de boas práticas, são considerados dados de inspeção em locais de fabricação e análise de documentos.
A decisão final varia conforme o processo. A autorização de registro é concedida apenas pela equipe técnica. Pedidos de uso emergencial e de importação excepcional, por sua vez, passam pelo crivo dos cinco diretores da agência, com base em parecer técnico.
Em que casos o pedido pode ser negado?
Depende de cada caso. Segundo a Anvisa, como a lista de documentos é extensa, pode haver flexibilizações caso a ausência de algum dado não traga prejuízos à análise e os benefícios superem riscos.
Já se faltar um grande volume de dados ou houver pontos críticos, como riscos à segurança, por exemplo, o pedido pode ser negado.Governos pediram importação e distribuição excepcional de vacinas.
Quais as diferenças desse processo para o uso emergencial e o registro?
A alternativa de importação e distribuição excepcional passou a valer após o presidente Jair Bolsonaro sancionar a lei 14.124/2021, que abre espaço para que a Anvisa analise pedidos de importação e distribuição excepcional de medicamentos e vacinas sem registro ou aval para uso emergencial no Brasil.
Para isso, esses produtos precisam ter sido aprovados por ao menos um em uma lista de 12 órgãos de outros países e regiões -como Estados Unidos e Europa- e há necessidade de apresentação de relatório técnico que embasou essa aprovação.
Recebidos os documentos, a agência analisa os dados e decide por aprovar ou não o pedido. O prazo varia de sete a 30 dias úteis.
Quanto tempo duram as autorizações de registro, uso emergencial e importação excepcional?
O registro concede autorização por até dez anos. Em alguns casos, o prazo pode ser menor, de três anos -no chamado registro condicional, quando a empresa assina um termo de compromisso para apresentar mais dados. Já o uso emergencial é temporário -ocorre apenas durante a emergência. A importação excepcional, por sua vez, vale para o volume solicitado no pedido.
Quais vacinas contra a Covid tiveram autorização para uso no Brasil?
São elas:
Coronavac (Sinovac e Instituto Butantan; obteve autorização para uso emergencial)
Covishield (AstraZeneca; importada da Índia pela Fiocruz para uso emergencial)
Covishield (desenvolvida pela AstraZeneca e produzida pela Fiocruz; tem registro no Brasil)
Comirnaty (Pfizer; registro)
Ad26.COV2.S (Janssen; uso emergencial)
A Anvisa já negou pedidos de aval a vacinas?
Sim. A agência negou um pedido de importação excepcional feito pelo Ministério da Saúde da vacina indiana Covaxin. O motivo foi a ausência de dados exigidos e problemas identificados em inspeção de boas práticas em fábricas na Índia.
Parecer semelhante foi dado para um pedido feito por dez estados para a importação da vacina russa Sputnik V. Servidores apontaram ausência de relatório e identificação de falhas técnicas em estudos e no processo produtivo da vacina que apontavam possíveis riscos à segurança, o que a fabricante nega.
Empresas que tiveram um pedido negado podem recorrer ou pedir nova análise?
Caso haja novos dados que não foram apresentados, a empresa pode informá-los à agência e fazer um novo pedido.