Pesquisa com pacientes portadores de diabetes mellitus que utilizam o Sistema Único de Saúde (SUS) do Distrito Oeste de Ribeirão Preto constata que 40% deles usam mais de um medicamento para tratar a doença. “É inadequada a utilização conjunta de dois dos medicamentos com o mesmo princípio ativo, pois eles têm mecanismos de ação semelhantes e isso não é recomendado pela Food and Drug Administration (FDA), órgão governamental norte-americano de comercialização de medicamentos”, afirma o autor da pesquisa, o farmacêutico Camilo Molino Guidoni.

Ele informa que, de acordo com estudos colombianos e franceses, o ideal para o tratamento de diabetes é a monoterapia (terapia com o uso de apenas um remédio). Nesses países, 60% dos doentes são assistidos com mais de um medicamento.

Os números da pesquisa brasileira indicam que é possível a ocorrência de duplicidade de receitas, uso indiscriminado do medicamento ou, ainda, a possibilidade de o usuário estocar o remédio. O estudo de Guidoni integra a sua dissertação de mestrado da Faculdade de Ciências Farmacêuticas da USP de Ribeirão Preto. A obra conquistou o 1º lugar no Prêmio de Incentivo à Promoção do Uso Racional de Medicamentos, promovido pelo Ministério da Saúde e divulgado no dia 14 de dezembro, em Brasília.

Banco de dados

Aproximadamente 60% dos usuários consomem um medicamento ou só a insulina, mas o estudo identifica que os pacientes costumam retirar medicamentos de uma mesma classe, ou seja, com o mesmo princípio ativo. Outros podem usar doses acima ou abaixo da recomendada, colocando em risco a eficiência do tratamento e a própria saúde.

Guidoni chegou a essas conclusões por meio de metodologia simples e rápida. Ele se baseou no banco de dados da Prefeitura de Ribeirão Preto, chamado Hygia, onde existe o registro de atendimentos, procedimentos realizados na atenção primária e secundária aos usuários do SUS na cidade. Foram analisados os medicamentos para tratamento de diabetes mellitus, a frequência de retirada, a dose, a faixa etária e o gênero dos usuários.

O levantamento ocorreu de março de 2006 a fevereiro de 2007, no Distrito Oeste de Ribeirão Preto. “Conhecendo a prevalência de uma enfermidade e o perfil do usuário pode-se promover o uso racional de medicamento e contribuir com a otimização no uso de recursos públicos de saúde”, explica Camilo.

Perfil

O pesquisador destaca que os gastos com saúde, segundo o Ministério da Saúde, aumentaram 9,6% e os insumos farmacêuticos subiram 123% no período de 2002 a 2006. Ele diz que o monitoramento da utilização dos medicamentos passa a ser essencial também para a saúde econômica do País. A pesquisa revelou por meio do cadastro de retirada de medicamentos antidiabéticos orais e insulina, que no Distrito Oeste, com população de cerca de 140 mil pessoas, tem 3.927 usuários portadores de diabetes mellitus.

A média de idade desses pacientes é de 60,4 anos, sendo que 55% deles estão acima dos 60 anos e 60,8% são do sexo feminino. “Isso não significa que a mulher tem maior predisposição à doença. Pode indicar somente que é consequência da sua maior expectativa de vida ou de que ela cuida mais da saúde do que os homens, como outras pesquisas já revelaram”, esclarece Guidoni.

A insulina como única terapêutica era utilizada por 3,3% dos usuários e 11,6% faziam a sua combinação com outros remédios. No período estudado, 5,7% diminuíram a utilização de um medicamento, enquanto 8,6% passaram a ingerir mais de um. “Isso deve explicar o agravamento no quadro clínico, que pode estar relacionado à progressão natural da doença, que é acelerada quando não tratada adequadamente”. Entre os usuários desses medicamentos, 25,2% apresentaram variação na dose utilizada, ou seja, 79,3% aumentaram a dose.

Prevenção

Quanto à frequência, o estudo mostrou que dez doentes usaram a dosagem acima da recomendada e 128, abaixo. “A administração de doses acima dos valores aconselhados amplia a probabilidade de reação adversa a esses medicamentos. Em contrapartida, as doses insuficientes podem contribuir para o insucesso do tratamento”. O comparecimento médio de retirada de remédios ficou acima de 75%. E 8,8% dos usuários apresentaram frequência inferior a 33,5%, sendo considerados desistentes do tratamento.

O pesquisador lembra que não consultou o diagnóstico clínico do paciente e que a Prefeitura de Ribeirão Preto fornece insulina e outros três tipos de medicação via oral. Esses pacientes podem usar dois medicamentos mais a insulina, pois dois deles são da mesma classe. O estudo indica a alta prevalência de diabetes mellitus em idosos, que também apresentam outras enfermidades e precisam de tratamentos múltiplos, o que pode acarretar reações adversas.

“Um dos medicamentos, considerado mais seguro para idosos, não é padronizado pelo SUS, mas é fornecido pela prefeitura em situações especiais e com indicação do endocrinologista. Apesar da boa iniciativa do município, o pesquisador observa que apenas 40 idosos portadores de diabetes mellitus retiram o remédio especial. Ele indica que mais pacientes deveriam recebê-lo.

O diabetes é uma das doenças crônicas não transmissíveis mais prevalentes do mundo. O pesquisador defende a necessidade da criação de programas com ênfase na prevenção primária, controle da incidência e complicações do diabetes.