Após denúncias da população, catorze clínicas psiquiátricas e asilos para idosos de Franco da Rocha, na Grande São Paulo, estão sendo investigados pelo Ministério Público (MP). Inquéritos civis apuram suspeitas de irregularidades na documentação dos estabelecimentos e de maus-tratos a internos.

Desde o início das investigações, quatro clínicas entraram em processo de regularização, duas fecharam e cinco foram interditadas. Dessas, duas continuam funcionando enquanto não há local para a transferência dos pacientes.

Responsável pelos inquéritos abertos no ano passado, a promotora de Saúde e Política para Idosos, Ana Paula Ferrari Ambra, visitou as clínicas sob investigação. Em operação conjunta com a prefeitura de Franco da Rocha, ela constatou as instalações precárias e o tratamento inadequado em alguns estabelecimentos.

“Encontramos um doente amarrado em uma das clínicas”, disse. “Em outra, encontramos fezes dentro de um balde, o que mostra a falta de estrutura do local.”

Segundo a promotora, as clínicas e asilos também funcionam sem qualquer licença ou alvará, e sem equipe profissional adequada. “Essas clínicas foram abertas por pessoas comuns, sem formação, que viram isso como uma oportunidade de renda”, explicou. “Elas prestam o atendimento e recebem a aposentadoria, a que os doentes ou os idosos têm direito, como pagamento”, acrescentou.

A falta de equipamentos públicos para o atendimento a esses idosos e doentes facilita a proliferação das clínicas clandestinas no município. Franco da Rocha, que ficou conhecida como a cidade de um dos maiores hospitais de isolamento psiquiátricos do país, o Juquery, não tem hoje como atender as cerca de 348 pessoas que vivem nas clínicas investigadas pelo MP.

A secretária de Ação Social de Franco da Rocha, Suely Aparecida Rinaldi, acredita que a legislação de 2001, que limita a internação por problemas mentais, também propicia o surgimento das clínicas. Segundo ela, não foi criado um sistema alternativo aos manicômios para atender essas pessoas. “Não é esse modelo de internação [que resolve], mas também não é esse descaso”, fala ao reclamar da falta de recursos para o atendimento social dessas pessoas e das poucas iniciativas da esfera estadual para resolver o problema.

Suely alega que a prefeitura não tem meios para fiscalizar a abertura de clínicas clandestinas, porque, na maioria das vezes, esses estabelecimentos são instalados em regiões ermas. “Tem casa que para você chegar lá é difícil e se chover você não sai”, exemplifica.

Uma das clínicas interditadas que continuam em funcionamento é a Associação Maria de Nazaré. Foi lá que um dos internos foi amarrado em um banco de madeira no horário de almoço. A dona da clínica, Maria Geni Delcicu, confirmou que o interno era amarrado. Disse, porém, que isso ocorria pois ele não deixava outros pacientes almoçarem. “Ele era um caso extremo. Ficava colocando a mão na comida dos outros enquanto eles almoçavam.”

Ela confirmou também que a clínica não tem licença para funcionar nem médico para tratar dos pacientes. Ela disse ainda que os 21 pacientes continuam na clínica justamente por não terem para onde ir. “Nenhum parente quis retirá-los”, disse.

A coordenadora de Vigilância Sanitária do município, Gabriela Menezes, diz que a prefeitura está enfrentando com rigor as irregularidades nesse tipo de estabelecimento. “Este ano nós fechamos o cerco”. Segundo ela, a Vigilância Sanitária está acompanhando a desativação das casas que foram interditadas, mas continuam em funcionamento.

No entanto, Gabriela acredita que as ações não vão acabar com o problema, mas provocarão a migração dessas atividades para outras cidades. De acordo com ela, apenas 10% das pessoas internadas nas clínicas investigadas eram originários de Franco da Rocha.