A supervalorização da aparência no mundo moderno – disseminada entre adultos – começa a mostrar seu poder sobre os adolescentes. É crescente a quantidade de jovens que batem à porta dos cirurgiões plásticos para mudar as formas do rosto ou do corpo. Segundo levantamento realizado pela Sociedade Brasileira de Cirurgia Plástica (SBPC), em 1994 foram feitos cerca de cinco mil procedimentos em adolescentes. Na última pesquisa da entidade sobre o tema, concluída neste ano, o número de operações em jovens de 14 a 18 anos subiu para cerca de 38 mil. “Houve um crescimento enorme na procura da cirurgia plástica pelos adolescentes”, afirma o cirurgião plástico Sérgio Levy, presidente da SBCP, seção do Rio de Janeiro.
Ainda que a lipoaspiração esteja entre os procedimentos mais pedidos, é sentida uma demanda cada vez mais intensa pela colocação de próteses de silicone para aumentar os seios e também por intervenções para alterar traços da face, como a rinoplastia (no nariz). Outras cirurgias frequentes entre os adolescentes são a correção das orelhas de abano, a redução de mamas nas mulheres e também os casos de ginecomastia em meninos (desenvolvimento excessivo dos seios).
Em um ano, mais de 50 mil jovens com idade até 18 anos fizeram plástica no Brasil
Os prós e contras de uma operação em idade tenra precisam ser avaliados com extremo cuidado. Em qualquer etapa da vida, mudar o corpo é uma decisão delicada, com implicações psicológicas. Se dá certo, melhora a autoestima. Se a meta não é atingida, pode causar insatisfação e até traumas. Por isso, na adolescência – uma fase de grandes mudanças físicas e psíquicas que pode levar ao desagrado com a própria imagem – esse passo precisa ser dado com cautela multiplicada. “Propor uma intervenção estética a um indivíduo que está passando por tantas transformações é um risco altíssimo”, diz a psicanalista Joana Novaes, coordenadora do Núcleo de Doenças da Beleza da PUC do Rio. O quadro se complica, por exemplo, se o jovem tem uma expectativa muito alta sobre as transformações que o recurso proporcionará. “Se ela não for alcançada, o adolescente pode se arrepender e estranhar o corpo. Pode até entrar em crise, se tiver tendência a distúrbios psicológicos”, diz. Na opinião da psicóloga Ana Olmos, de São Paulo, especialista no atendimento de crianças e adolescentes, a procura pela cirurgia plástica tão cedo é realmente preocupante. “Vejo um número grande de adolescentes que já fizeram até mais de uma cirurgia antes dos 20 anos. Isso pode ser um sinal de transtornos de imagem que causarão ainda mais problemas, se não forem identificados.”
Dependendo da idade do paciente, existe também o risco de atropelar o desenvolvimento do corpo com a intervenção. “Diminuir o nariz muito cedo pode deixar o jovem com traços desproporcionais no futuro, pois ele não acompanhará o crescimento do rosto”, atesta a cirurgiã Natale Amorim, do Rio. Quanto às próteses de silicone, os especialistas consideram perigoso colocá-las antes de saber quanto a mama ainda irá crescer. De acordo com as recomendações da SBCP, o processo está concluído quatro anos depois da primeira menstruação.
Por questões como essas, muitos médicos pedem aos candidatos à cirurgia e a seus pais para voltar dentro de alguns anos. “O que não se pode fazer é banalizar a cirurgia plástica e nem padronizar o corpo”, afirma o renomado cirurgião carioca Paulo Muller. Na opinião de Muller, um culote pequeno, que pode desaparecer com a malhação, ou nariz proporcional, apesar de o adolescente não gostar do formato, são razões suficientes para adiar o bisturi. De fato, muitas vezes o que incomoda um jovem é algo imperceptível aos olhos dos outros. É o caso da estudante carioca Thalyssa Souza Maini, 18 anos, que era infeliz com o que define como uma barriguinha. “Por causa dela, ia à praia só de roupa e nem entrava no mar”, lembra. Há três meses, fez uma lipoaspiração no abdome, acompanhada da mãe, que também se internou para trocar uma prótese de silicone. “Agora uso biquíni normalmente”, comemora a garota.
A pressão social também deve ser mensurada nas consultas. “Se a pessoa quer, no fundo, satisfazer o outro, como o namorado ou a mãe, o procedimento não deve ser feito”, afirma o cirurgião Múcio Castro, de Belo Horizonte. “Por isso, é preciso avaliar não só o corpo, mas a cabeça do adolescente”, diz o cirurgião plástico André Colaneri, de São Paulo.
A questão é que a avaliação de quando realmente a cirurgia é necessária na adolescência deveria ser uma atribuição dos psicólogos. Eles é que têm a formação adequada para realizar essa análise. Porém, a imensa maioria dos consultórios de cirurgiões plásticos não oferece esse tipo de atendimento.
Por causa dessa realidade, fica difícil diferenciar, com precisão, quem está apto à operação, do ponto de vista emocional, de quem poderá enfrentar sérios problemas mais tarde. Muitas vezes, inclusive, falta bom senso aos adultos. “Já recebi meninas que ganharam da mãe uma aplicação de botox na testa como presente de 15 anos”, relata o cirurgião plástico Luiz Haroldo Pereira, do Rio. É de se perguntar: alguém já viu um jovem nessa idade com o rosto marcado por rugas de expressão?