Os conselhos tutelares são uma das principais portas de entrada das denúncias de abuso sexual contra crianças e adolescentes. De acordo com o Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA), cabe aos conselhos atender e aconselhar os pais ou o responsável, requisitar serviços públicos, como os de segurança, encaminhar ao Ministério Público denúncia de crime e até acionar a Justiça.
O cumprimento dessas obrigações fica comprometido, no entanto, pela falta de estrutura. “A maioria dos conselhos não tem a estrutura de trabalho. Os salários são baixos, não há carro para deslocamento, faltam computadores e impressoras para o trabalho”, resume o advogado Ariel de Castro Alves, da Comissão de Criança e Adolescente do Conselho Federal da Ordem dos Advogados do Brasil (OAB).
Segundo a pesquisa Os Bons Conselhos, feita em 2006 pelo Centro de Empreendedorismo Social e Administração em Terceiro Setor (Ceats), “as condições mais fundamentais estão longe de atingir a cobertura plena: privacidade do local de trabalho, disponibilidade de textos legais para consulta e referência, telefone, veículo”.
A precariedade dos conselhos tutelares pode ser verificada na capital federal. A situação do recém-instalado Conselho Tutelar do Riacho Fundo 2, cidade a 18 quilômetros de Brasília, ilustra as constatações da pesquisa do Ceats.
Segundo a conselheira Ana Maria da Silva, o atendimento à população está sendo feito de pé porque faltam cadeiras. Além disso, não há espaço adequado.
“O local que nos foi cedido no momento são duas salas. Deveríamos ter uma para cada conselheiro [cinco no total] para respeitar a individualidade e o sigilo de cada pessoa que vem nos procurar. Isso não existe”, lamenta. O conselho tutelar do Riacho Fundo 2 funciona em um galpão de obras da administração regional.
Para o representante da OAB Ariel de Castro, também falta formação aos conselheiros e a compreensão dos papéis da polícia, do Ministério Público e da Justiça no encaminhamento de casos de abuso sexual.
De acordo com a pesquisa do Ceats, em um terço dos conselhos tutelares, nenhum membro recebeu capacitação nem mesmo participou de uma palestra.
O efeito dessa situação é o mau atendimento da população, inclusive em casos de extrema vulnerabilidade como o das vítimas de abuso sexual.
“Eu trabalho no interior de Santa Catarina e a gente vê situações em que uma menina de 13 anos vai viver maritalmente com o namorado e isso é aceito culturalmente inclusive pelo conselheiro. É preciso, portanto, qualificação sobre o papel do conselheiro e mais estrutura de atendimento”, defende a promotora de Justiça Helen Sanches, primeira-secretária da Associação Brasileira de Magistrados, Promotores de Justiça e Defensores Públicos da Infância e da Juventude (ABMP).
Aos problemas de estrutura física e de disponibilidade material, soma-se a ausência de políticas públicas. “Como o conselho tutelar vai proteger se no município não tem um projeto que preste atendimento psicológico? Como vai atender se não tem uma casa abrigo? A proteção depende da política pública. Precisamos melhorar a estrutura dos municípios”, aponta a promotora.
De acordo com Helen Sanches, a denúncia ao conselho deve ser seguida de um boletim de ocorrência na delegacia.
“Muitas vezes, a própria mãe se omite de fazer a queixa porque depende [financeiramente] do agressor. É obrigação do conselheiro registrar o boletim de ocorrência, verificar se fizeram o registro corretamente, acompanhar o que foi feito na apuração, encaminhar a criança ou adolescente para o tratamento psicológico e atendimento médico”, ressalta ao citar as atribuições previstas no Estatuto da Criança e do Adolescente.