Com as fortes chuvas de abril do ano passado, Ana Célia de Oliveira Arras, 56 anos, viu o solo sob sua casa ceder e um buraco abrir no meio da sala. Saiu do Morro do Urubu, na zona norte do Rio, só com a roupa do corpo e a televisão, que conseguiu salvar.
Semanas depois, Ana Célia ganhou novo endereço em Realengo, na Zona Oeste do Rio, pelo programa Minha Casa, Minha Vida, com subsídios da prefeitura. Ganhou um teto e documentos, mas perdeu o emprego, que ficou longe demais.
“Eu trabalhava em Copacabana, e a minha patroa não queria me dar duas passagens, e eu gastava duas. Então tive que sair do serviço, ficar em casa. Aí eu tomo conta de crianças para o orçamento, porque está difícil”, conta ela.
Desempregada, Ana Célia mora com uma das filhas e o genro e agora ganha R$ 300 por mês para cuidar de seis crianças durante o dia.
Seus vizinhos ainda são os do Morro do Urubu, a 22 km do novo endereço em Realengo: as 299 unidades habitacionais do Vivendas do Ipê Amarelo foram destinadas a famílias que perderam suas casas na favela, porque ruíram com a chuva ou porque foram interditadas e demolidas depois.
Eles foram contemplados pelo programa habitacional do governo em sua faixa de renda mais baixa, para pessoas de zero a três salários mínimos. Os apartamentos são de dois quartos, têm cerca de 42 metros quadrados e valem em média R$ 50 mil, de acordo com a Secretaria municipal de Habitação.
Muitos tiveram que procurar novos empregos por causa da distância do novo endereço e do preço da passagem. “Esse é o único problema daqui. É difícil você arranjar emprego”, diz Ana Célia. Ela está feliz com o novo apartamento e diz que a vida no condomínio é tranquila. Elogia ainda a segurança no local, próximo à Unidade de Polícia Pacificadora da Favela do Batan.
Uma equipe da Secretaria municipal de Habitação atua no local com assistentes sociais e procura fazer a ponte com empresas, ajudando moradores a obter emprego nas áreas de construção civil, auxiliar de serviços gerais, trabalho doméstico.
Comércio e escolas
Outro problema apontado no Ipê Amarelo é a distância de comércio, bancos e escolas. O condomínio fica numa rua estreita que sai da movimentada Avenida Brasil, e nas imediações há uma grande loja de pneus, um centro de reciclagem e diversos motéis.
A dona de casa Arlete Kaizer diz que é preciso gastar uma passagem de ônibus até Bangu, bairro vizinho, para ir ao supermercado e pagar contas.
“Tudo que a gente tem que conseguir aqui a gente tem que pegar passagem até Bangu. Não tem banco, não tem uma loteria onde a gente possa pagar nossas contas. Quando a gente não tem dinheiro, vai a pé, mas é distante”, diz ela, que estima o tempo de caminhada em meia hora.
Arlete é a segunda de dez irmãos e quase todos moravam no Morro do Urubu. Assim como ela, outros quatro vieram para o Ipê Amarelo: Áurea, Arlindo, Antonio e Hamilton. Uma pedra rolou sobre sua casa e ela conseguiu montar o apartamento com móveis doados ou comprados aos poucos.
Ela e o marido sobrevivem com a aposentadoria que ele recebe de R$ 545 por mês. Diferentemente de quando morava no morro, o casal tem agora contas mensais a pagar: luz (cerca de R$ 42), gás (R$ 24) e o condomínio, de R$ 51 mensais.
De acordo com a síndica Maria Inês Oliveira, de 52 anos, o condomínio passou a ser cobrado em abril e está sendo objeto de muitas queixas dos moradores. No mês passado, dos 299 apartamentos, apenas 102 pagaram o valor.
“No primeiro momento foi um choque, porque onde as pessoas moravam, elas estavam acostumados a não pagar nada. Chegaram aqui e logo de cara tiveram que pagar luz. Alguns acham que, porque a prefeitura deu o apartamento, tem que dar tudo. Mas não é assim, né. A gente sabe que para poder melhorar e viver bem você tem que pagar”, diz Maria Inês.
Na quarta-feira da visita da BBC Brasil, o condomínio recebia uma das primeiras melhorias feita com o investimento coletivo: um portão elétrico estava sendo instalado na entrada, com controle remoto para quem tem carro e chaves para quem chega a pé.
Maria Inês também perdeu sua casa no morro e virou síndica depois de se envolver na comissão formada por moradores após as chuvas. Ela diz que a tragédia acabou possibilitando a realização de um sonho: o de sair do morro.
“Lutei tanto para ter uma casa. Investia todo meu dinheirinho para arrumar a minha casa, mas não dava para terminar, ainda estava no tijolo”, diz. “Foi uma coisa ruim que aconteceu para uma melhora”, diz.