A tensão entre índios e produtores rurais em Mato Grosso do Sul, que já resultou em um indígena morto e outro ferido, pode ficar ainda pior, segundo um representante dos fazendeiros.

“Estamos falando de um massacre iminente. Temos produtores que se recusam [a sair de suas propriedades] e estão armados”, disse à Folha na terça-feira (4) Francisco Maia, presidente da Acrissul (Associação dos Criadores de Mato Grosso do Sul) e da Fenapec (Frente Nacional da Pecuária). “Vai morrer mais gente”, afirmou Maia. “Vai ter mais sangue”.

Ministro e Força Nacional chegam a MS em meio a conflito entre índios e fazendeiros

O ministro da Justiça, José Eduardo Cardozo, e integrantes da Força Nacional de Segurança chegaram a Campo Grande (MS) na manhã desta quarta-feira (5) para acompanhar a execução da ordem de reintegração de posse da fazenda Buriti, em Sidrolândia (72 km da capital), invadida por índios terena.

Na última quinta-feira (30), o índio terena Oziel Gabriel, 35, foi morto com um tiro no abdome durante a primeira tentativa de reintegração de posse da mesma fazenda.

A área da fazenda Buriti e de outras propriedades está em processo intermediário de demarcação como terra indígena. Os índios invadiram parte delas para reivindidar agilidade do governo federal.

A tensão na região aumentou depois do índio Josiel Gabriel Alves, 34, também da etnia terena, ser baleado nas costas ontem na fazenda São Sebastião, que fica próxima à fazenda Buriti. Ele integrava o grupo que invadiu a propriedade ontem.

Leia trechos da entrevista com Francisco Maia, presidente da Acrissul:

*

Folha – Desde quando os produtores de MS enfrentam problema fundiário com indígenas?

Francisco Maia – Há 15 anos. A Constituição (1988) estabelecia um prazo de cinco anos para a demarcação dessas terras [indígenas]. As coisas não aconteceram e eles [índios] continuaram avançando e sempre pretendendo áreas maiores do que o possível e do que o razoável. As pretensões da Funai [Fundação Nacional do Índio] não têm nenhum embasamento, nenhum estudo mais consistente que as justifique.

Na área mais nobre, de terra mais fértil do Estado se pretende [demarcar] mais de 500 mil hectares de terra. As pretensões são todas em cima de áreas tituladas. Não temos problemas de excesso de terra ou de grilagem. Todas as terras são legais, com escritura.

Isso é uma questão que hoje perdeu-se o controle. Com os últimos acontecimentos, vivemos num Estado onde não tem o Estado de direito para ser seguido e respeitado, onde as leis não são cumpridas e está valendo a lei indígena adotada por eles. Eles rasgam ação judicial de reintegração de posse, a própria Polícia Federal vai lá e não faz reintegração de posse. Vivemos num caos na área de conflito.

O envio de tropas nacionais não seria apenas uma medida paliativa?

Temos que resolver de imediato uma questão emergencial. Os produtores têm seu gado, sua riqueza. Estão sendo expulsos de suas fazendas sem ter nenhum poder de reação e estamos numa situação iminente de um conflito armado porque alguns produtores que estão armados nas suas propriedades, não vão sair e vão enfrentar os índios.

Vai ter resistência armada. Isso que aconteceu, de morrer um índio, pode ser muito pouco perto do que se anuncia. Vai morrer mais gente. A questão indígena em si vai ser discutida de uma forma mais ampla. Acredito que isso só vá diminuir quando o Congresso tomar as medidas que tem que tomar.

Vocês apostam no Congresso [para resolver a solução]?

Quem vai ter que entrar nessa parada é o Congresso Nacional porque o governo perdeu a mão. Parece que o governo perdeu autoridade. Esse é um problema muito sério. Estamos falando de um massacre iminente que pode existir.

Do ano passado para cá a situação parece ter ficado mais tensa em MS. O que aconteceu?

Me parece que é uma visão ideológica orquestrada. A Polícia Federal disse que, quando foi tentar a reintegração de posse, não encontrou índios querendo terra. Encontrou uma milícia organizada, armada e lutando com a própria Polícia Federal e estadual [PM]. A questão é séria. Não existe Estado de direito. Isso está um caos. Está uma tragédia.

Viemos a Brasília dizer ao governo federal que vai ter mais sangue. Muitos produtores rurais estão resistindo. E nós, produtores rurais, não podemos deixar que nossas propriedades sejam invadidas sem defender a terra. Já que o Estado não defende, quem vai ter que defender? São os proprietários. Lamentavelmente, essa é a situação.

A mídia tem sido tendenciosa nessa cobertura?
O que se tem que entender é que nós, produtores rurais, entendemos que existe uma dívida da sociedade brasileira com os índios. Mas que essa dívida não pode ser paga apenas pelo setor rural.

Por que não se cria um fundo nacional em que cada brasileiro contribua com essa questão? Vai deixar só o produtor que já produz com sacrifício, que a sua produção não é valorizada nem reconhecida, que vende comida barata para o país inteiro, leva o país nas costas nesta fase da economia? Além de tudo isso é ele quem tem que resolver o problema indígena, se ele é vítima assim como os índios?

A sociedade tinha que ver essa questão dos dois lados. Quando a mídia mostra um indiozinho nu, chorando, numa fotografia que sensibiliza, ele pode ver que do outro lado tem um pequeno produtor com o “filhozinho” nu, chorando e que tem tanto sofrimento quanto ele [o índio].