Há 300 anos, uma pescaria se transformou num dos fatos mais importantes do catolicismo brasileiro. Atentos à ordem da Câmara de Guaratinguetá de obter o máximo possível de peixes para recepção do novo governador, três pescadores – Domingos Garcia, Felipe Pedroso e João Alves – jogaram as redes no Rio Paraíba. Passaram horas sem nada conseguir até que, no Porto Itaguaçu, pescaram uma imagem de barro decapitada. Em seguida, encontraram a cabeça de Nossa Senhora da Conceição. Minutos depois, já havia tanto peixe que mal conseguiam carregar. Décadas depois, a escultura negra de 37 centímetros se tornaria um dos símbolos do País e, já como Nossa Senhora Aparecida, ganharia do papa Pio XI em 1930 o título de Padroeira do Brasil.
Hoje, o Santuário Nacional de Aparecida é o maior centro mariano do mundo em tamanho e o segundo em frequência – só perde para o de Nossa Senhora de Guadalupe, no México. A cada ano, cerca de 12 milhões de romeiros visitam o município de Aparecida, à margem da Via Dutra, distante 180 km de São Paulo. Ali, católicos do Brasil todo se misturam a estrangeiros, que se multiplicaram após a visita de Bento XVI, em 2007.
A maioria segue a mesma rotina: assistir à missa – são seis por dia de segunda a sexta-feira e sete ou oito aos sábados e domingos – e rezar na basílica, antes ou depois de passar diante da imagem original de Nossa Senhora. É uma fila constante. Devotos contemplam em silêncio a padroeira de manto colorido e coroa de ouro dada pela princesa Isabel, fazem pedidos, agradecem favores e milagres. No subsolo, visitam a Sala das Promessas e podem batizar crianças (e adultos) se pais e padrinhos tiverem feito curso de preparação em suas paróquias.
O Santuário-Basílica, que é também a catedral da Arquidiocese, está em construção desde 1946. A terraplenagem começou em 1952 e o primeiro atendimento a romeiros foi em 1959. Atividades religiosas só passaram a ser feitas em 1982, quando a imagem foi levada da Basílica Velha para a Nova. Em 1984, quatro anos após ser consagrado por João Paulo II, o local virou Santuário Nacional.
Já a data em que a imagem foi resgatada do Paraíba no século 18 é controversa. O livro História de Nossa Senhora da Conceição Aparecida, publicado em 1979 por Júlio Brustoloni, diz que é certo que dom Pedro de Almeida, o conde de Assumar, governador de São Paulo e Minas que motivou o pedido dos peixes, ficou em Guaratinguetá de 17 a 30 de outubro de 1717. Outro livro – Senhora Aparecida, de Tereza Galvão Pasin – conta que a imagem foi levada para a casa de Felipe Pedroso, o mais velho dos três pescadores. Seu filho Atanásio fez um altar para Nossa Senhora numa capelinha perto da estrada entre São Paulo e Minas. Todo sábado, alguém aparecia ali para rezar. Logo começaram relatos de milagres, como o das velas que se acenderam sozinhas, do escravo cujas correntes se arrebentaram quando pediu proteção da Virgem Maria e o do cavalo (ou mula) que grudou as patas dianteiras nas pedras da escadaria, quando o dono ameaçou entrar montado na Matriz. Num quarto milagre, uma menina cega de Jaboticabal começou a enxergar. Houve ainda o resgate milagroso de um menino que se afogava no Paraíba.
Devoção que se espalha. Em três séculos, a devoção a Nossa Senhora Aparecida, que ganhou esse nome por ter “aparecido” aos pescadores, espalhou-se Brasil afora. Chegou com os tropeiros da Feira de Muares de Sorocaba a Curitiba, Viamão e Laguna no Sul, atingiu as minas de Cuiabá com mineradores, alcançou Goiás com sertanistas. Por 145 anos, até 1888, multidões rezaram aos pés da imagem numa capela de paredes de taipa e pilão erguida pelo padre José Alves Vilella nas encostas do Morro dos Coqueiros. Só em 1888 ela foi reinaugurada como Matriz Basílica. Sem ostentar a riqueza dos altares dourados da época colonial, o primeiro santuário de Aparecida foi tombado pelo interesse histórico, religioso e arquitetônico em 1982. Após restauro, foi reinaugurado em 2015. É a atual Matriz Basílica ou Basílica Velha.
Já a grande basílica às margens da Dutra, que deve lotar neste feriado, ainda continua em obras. A previsão é terminar o revestimento da cúpula central neste mês. Todas as paredes exibem pinturas bíblicas do artista plástico Cláudio Pastro. Ao morrer, em outubro de 2016, ele deixou esboços dos desenhos que faltam. Padres da Congregação do Santíssimo Redentor, que dirigem o santuário e cuidam da pastoral de devoção mariana desde 1894, vão iniciar agora o acabamento externo. Ex-ecônomo, reitor e bispo auxiliar de Aparecida, d. Darci Nicioli afirma que as obras do Santuário não terminarão nunca, “pois sempre haverá trabalho de manutenção e melhorias”.
O dinheiro chega como doações depositadas em cofres ou depósito bancário. Os padres e o arcebispo de Aparecida, d. Orlando Brandes, pedem contribuição por rádio e televisão. Serviços a romeiros são prestados por empresas terceirizadas, como restaurantes e lojas do Centro de Apoio ao Romeiro, que não podem vender artigos contrários à doutrina católica. A farmácia não vende preservativos, porque a Igreja proíbe controle artificial de natalidade. “Toda a obra do Santuário é bancada por doações dos devotos”, informa o padre João Batista de Almeida, sucessor de d. Darci no cargo de reitor.
O dinheiro arrecadado paga ainda programas sociais e de evangelização. Na comunicação, o Santuário mantém uma rede de rádio, a TV Aparecida, portal, revistas, jornal e a editora Santuário. Um centro de evento para 8 mil pessoas sentadas recebe show, peça, esporte e celebração religiosa. Além de João Paulo II e Bento XVI, o papa Francisco visitou Aparecida em julho de 2013, em sua primeira viagem ao exterior. Prometeu voltar nos 300 anos, mas cancelou por questão de agenda. O presidente Michel Temer insistiu, mas recebeu um não diplomático do Vaticano.