Nate Silver, 35, é o mais famoso matemático americano. Nas eleições presidenciais de 2012, acertou o resultado nos 50 Estados do país. Na de 2008, em 49 dos 50.
Blogueiro do “The New York Times”, fez fortuna jogando pôquer on-line e criou sistema que previa resultados do beisebol pelo desempenho de times e jogadores.
Especialista em decodificar milhares de números armazenados na internet, ele se mostra preocupado com o alcance do monitoramento de dados por parte do governo americano e diz que o medo do terrorismo desequilibrou a relação entre segurança e privacidade.
Seu primeiro livro, “O sinal e o ruído”, sobre a ciência das previsões, fala de clima, terremotos, crises econômicas, terrorismo e campanhas eleitorais. Será lançado no Brasil nesta semana. A seguir, trechos da entrevista à Folha:
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Terrorismo
Os americanos são desproporcionalmente preocupados com terrorismo e com armas de destruição em massa. Atentados matam pouca gente em comparação com outros tipos de morte, mas o objetivo do terrorismo é mudar os hábitos de quem sobrevive aos atentados, de todos nós. É difícil ter essa discussão nos EUA. As pessoas ficam irracionais ao falar de terrorismo.
Medo
Há 5 milhões de voos ao ano, pelo menos, nos EUA. Quantos caíram neste ano? Nenhum. Mas as pessoas morrem de medo porque uma queda é uma imagem espetacular. Os terroristas sabem espetacularizar um atentado, o que assusta a todos. Muitos americanos e o governo aceitam sacrificar liberdade pelo medo do terrorismo.
Monitoramento
Estamos apenas descobrindo quão longe essa vigilância vai. Suponho que meu email não esteja hackeado, não acho que o governo esteja ouvindo o que falo, o que não quer dizer que não esteja preocupado com o que o governo anda fazendo.
Eu me opus desde o início ao Patriot Act [‘Lei Patriótica’, que autoriza ações de vigilância do governo para combater o terrorismo]. Você tem que tomar decisões sobre privacidade, liberdade e segurança, mas com equilíbrio, que é o que não temos agora. Ao menos o debate se você é ou não patriota já amainou.
Redes sociais
É meio assustador o que se pode descobrir sobre uma pessoa a partir de um banco de dados. Na política, já tem gente que checa o que você lê, para onde viaja, seus hábitos e costumes, para descobrir se você é um democrata ou republicano.
Por enquanto, o uso desses bancos de dados demonstra o óbvio. Se você é rico, de meia-idade e gosta de golfe, vai receber muita publicidade de carros, relógios e produtos caros.
Esse uso pela publicidade já acontece em escala massiva. Muita gente nem lê, mas se 1,5% comprar [o produto anunciado], em vez de 0,5%, já aumentou muito o lucro.
No entanto, bancos de dados erram. Você pode mandar publicidade de literatura latina para alguém de sobrenome Rodriguez e ele pode ser um filipino.
Vitória eleitoral
Os resultados das 2.000 pesquisas que são feitas durante uma campanha presidencial americana são públicos. O que fiz foi desenhar um modelo que olha todas elas, com uma fórmula que pesa quais historicamente são as melhores, as de maior amostragem, quais ligam para celulares e linhas fixas, as nacionais e estaduais, dando peso para cada uma. Só uso a matemática e o discernimento.
Bolha informativa
Quando as pessoas se informam por celulares, sites e TV a cabo, elas são mais vulneráveis a uma bolha informativa. Só leem e escutam informações sobre assuntos que gostam ou que se encaixam em sua visão do mundo.
Essa audiência fragmentada fez com que muitos republicanos não se dessem conta da fortaleza de Obama. Eles só ouviam quem pensava como eles. Apenas 1% da audiência da Rachel Maddow [apresentadora mais popular da MSNBC, canal de notícias favorito dos democratas] é de republicanos. Os democratas pouco veem a Fox News [emissora de linha editorial pró-republicana].
Críticas
Republicanos diziam que pelo fato de eu ser gay, judeu e morar no Brooklyn [bairro de Nova York], era claro que eu diria que Obama ia vencer. Jamais apresentaram argumentos legítimos sobre minha fórmula.
Eles estão tão acostumados a espalhar versões, não necessariamente verdadeiras, que acham que todo mundo é assim. Não conseguem diferenciar. Sou subjetivo, mas meu modelo não muda.
Outros países
É mais fácil minha fórmula funcionar em países com eleições diretas, presidencialistas, do que no parlamentarismo. Ter apenas dois grandes partidos ajuda, e o comparecimento às urnas deve ser alto, como no Brasil, onde o voto é obrigatório. E que os eleitores confiem nos entrevistadores, não sintam medo de dar opinião, como no Oriente Médio, por exemplo.
Futuro da pesquisa
Fico preocupado com o futuro das pesquisas. Há 15 anos, 30% dos americanos respondiam pesquisas; agora, só 10%. Hoje em dia ninguém atende celular sem reconhecer o número da chamada, e só os mais velhos usam muito a linha fixa. Pesquisas terão que ser feitas on-line ou em aparelhos móveis. Ainda é milagroso que os resultados sejam tão bons.
Futebol
Em 2010, fiz uma fórmula para a ESPN antes da Copa e coloquei Brasil e Espanha como favoritos. Certamente vou fazer algo pra 2014. Alemanha e Espanha são fortes, mas há vantagens para quem joga no mesmo continente, como Brasil e Argentina. O Brasil teria que ficar muito mal para não ser favorito.
Morei um ano na Inglaterra e virei torcedor do Arsenal. Acompanho o futebol nas Copas e fui a um jogo do Arsenal em maio. A liga americana está melhorando, mas nossa seleção não é brilhante.
Não queremos ter a 12ª melhor liga do mundo. É duro para querer acompanhar.