Jean, Fabiane e Rebecca ainda não sabem, mas fazem parte da primeira geração de filhos de haitianos nascidos no Brasil após o terremoto de 2010 no país caribenho.
Numa pequena rua de Manaus, funciona uma creche improvisada para 20 crianças de até quatro anos: todas filhos de haitianos e nascidas no Brasil.
Os “brasileirinhos”, como são chamados pelas cinco funcionárias pagas pela Igreja Católica com a ajuda de doações, recebem alimentação e outros cuidados enquanto os pais trabalham.
Um dos retratos do movimento emigratório que explodiu no Haiti em 2010 com o terremoto que varreu o país, o local funciona há três meses e já soma mais de 30 crianças na fila de espera.
O Amazonas e o Acre são as principais portas de entrada para haitianos que chegam ao Brasil.
Em Manaus, eles encontraram abrigo na paróquia de São Geraldo, que mantém, além da creche, quatro casas de apoio de adultos, também mantidas por doações. O local se tornou uma espécie de ponto de encontro dos haitianos na capital do Amazonas.
“Os bebês começaram a nascer e buscamos ajuda no município, mas não conseguimos. Tivemos que pensar em como atender essas crianças para que as mães pudessem buscar trabalho”, diz o padre Valdecir Molinari, um dos que estão à frente do trabalho com os imigrantes.
Segundo a Prefeitura, Manaus mantém cinco creches para a população, que atendem 601 crianças. Há 1.396 na fila por vagas.
“Às vezes pessoas dizem assim: ‘Já é difícil atender aos brasileiros, vamos ter de dar abrigo também aos estrangeiros?’. Mas essas pessoas se esquecem que as crianças são brasileiras e têm os mesmos direitos de qualquer cidadão”, afirma o padre.
A creche é o único local mantido por funcionários pagos -nos outros centros de apoio todos são voluntários. As mães deixam os bebês às 6h e voltam às 17h30. Uma médica voluntária visita o local duas vezes por semana. Por mês, a creche tem um gasto de cerca de R$ 10 mil.
CHOQUE
Fabiane Vincent tem apenas seis meses de vida, e o primeiro presente que ganhou em sua terra natal foi um nome tipicamente nacional -assim como a maior parte dos colegas de creche.
A mãe dela, Fauvette Vincent, 33, vive em Manaus desde o fim de 2010. Deixou a mãe e 15 irmãos e chegou sozinha ao Amazonas após uma jornada pela América do Sul. No Haiti, era enfermeira. No Brasil, deixa Fabiane na creche para trabalhar em supermercado. Recebe pouco mais do que o salário mínimo. O pai da “brasileirinha” foi tentar a vida em São Paulo.
“O povo brasileiro é muito acolhedor, mas os haitianos, quando chegam, têm um choque de realidade”, diz Fauvette, em bom português. “Pensam que vão ganhar muito dinheiro, mas já chegam com dívidas, pois a viagem é cara”, conta.
Enquanto tenta revalidar o diploma de enfermeira, ela envia dinheiro à família no Haiti e diz sonhar com o futuro da filha. “Que ela tenha mais oportunidades e uma vida melhor do que a minha.”