Há, para Shimon Peres, duas questões em que devemos fechar os olhos e nos entregar. “O amor e a paz”, diz o presidente de Israel durante entrevista exclusiva à Folha, em sua residência oficial.

Aos 90 anos, Peres afirma não ceder ao pessimismo em relação às negociações com os palestinos –premiê de Israel por duas vezes antes de assumir a Presidência, em 2007, ele é um dos símbolos da busca pela paz na região.

Mas o país tem de lidar com os desafios pragmáticos no trajeto. No meio do caminho, há as pedras lançadas por palestinos num conflito que dura décadas. Também há vizinhos que, como Irã e Síria, se opõem à existência de Israel.

Ao contrário da liderança americana, que vê uma nova abordagem diplomática no presidente iraniano recém-eleito, Hasan Rowhani, Peres diz que Israel irá lidar com acontecimentos concretos.

“Por enquanto, não houve mudança. Os fatos contradizem os discursos”, afirma. “Ninguém no mundo está ameaçando o Irã. Por que o Irã ameaça outros países?”

Folha – O sr. costuma, em discursos, falar sobre a paz. O que esse tema significa hoje?
Shimon Peres – Antes de falar sobre paz, temos de falar sobre a guerra. Não há mais razões para haver guerras. As disputas eram, no passado, sobre território. Hoje, a terra é menos importante.

Mas território não é uma razão para o conflito com as autoridades palestinas, na Cisjordânia?
Isso é solucionável. As pessoas esquecem que, nas guerras, conquistamos territórios árabes. Quando houve paz, devolvemos tudo. Ao Egito, à Jordânia. Sem problemas.

Começamos a devolver aos palestinos também. Tiramos os colonos de Gaza, em 2005. Mas, infelizmente, eles recorreram ao terrorismo. As diferenças territoriais são pequenas, entre 4% e 6%. Isso pode ser resolvido pela troca de terras. Há uma solução.

O presidente palestino, Mahmoud Abbas, é um parceiro confiável para negociações?
Absolutamente. Eu o conheço há anos. Homem sério, de paz. Assinamos os Acordos de Oslo juntos, em 1993.

Por que Oslo não teve o efeito esperado [uma solução definitiva, em cinco anos]?
Há diversas razões. Os palestinos estavam divididos, e esse foi o principal motivo. Os israelenses deixaram Gaza, e esse território virou uma base para o terror.

As pessoas me perguntam por que eu confio tanto nas negociações. Dizem que sou ingênuo. Como posso convencê-los de que sei negociar? As coisas mais importantes da vida não podem ser conquistadas se você não fechar os olhos um pouco.

Quais?
O amor e a paz.

O sr. está otimista, então?
Talvez as pessoas sejam pessimistas, mas a história é otimista. O mundo se move adiante. Meu otimismo é baseado na experiência histórica. Sou velho o suficiente para saber que podemos fazer coisas que pensávamos impossíveis, incluindo a paz com o Egito [em 1979]. Era impensável, mas aconteceu. Não vou abrir mão da realidade.

Nesta era, quais as ameaças à paz? Irã, Síria, Hizbullah?
Sim. Terroristas não respeitam governos nem leis. Mas terror e pobreza estão ligados. No Oriente Médio, a questão hoje é mais existencial do que política. Por isso a Irmandade Muçulmana obteve o poder no Egito e então o perdeu [o presidente islamita Mohammed Mursi foi deposto, em julho]. Eles descobriram que não têm a solução para os problemas do país.

No Irã, há algo de novo após a eleição de Hasan Rowhani?
Na política e na vida, você só pode julgar as coisas pelos fatos. Por enquanto, não houve mudança no Irã. Os fatos contradizem os discursos. Se os iranianos dizem não querer bombas nucleares, por que desenvolvem mísseis?

O que trouxe esses discursos carismáticos foram as sanções. Todos preferimos que a solução não seja militar. Mas, para dar credibilidade às opções não militares, o Irã tem de saber que estará sozinho e pode enfrentar a força.

Se houver ações, Israel está pronto a considerar Rowhani como parceiro para a paz?
Não sei se os iranianos iriam querer isso. Mas o problema é mais global que nacional, no Irã. Há coalizões de países –um grupo é liderado por EUA e União Europeia. Se os russos estiverem nesse lado, a pressão será mais efetiva. Israel, sozinho, não pode resolver todos os problemas.

Como o sr. recebeu a notícia do recente telefonema entre Barack Obama, presidente dos EUA, e Rowhani?
Não fui totalmente surpreendido. Percebi que havia disposição em ambos os lados. Não me importo que as pessoas conversem. Não é crime. Mas, se estão apenas conversando, é um problema.

Se o sr. tivesse a oportunidade de conversar com Rowhani ao telefone, o que diria a ele?
Eu diria a ele que ninguém no mundo está ameaçando o Irã. Então por que o Irã ameaça outros países? Me diga. Não entendo porque o Irã ameaça Israel. Para quê?

Além disso, os iranianos pedem que as sanções sejam reduzidas. Mas eles podem melhorar a situação econômica ao parar as centrífugas nucleares. É um tremendo gasto de dinheiro manter esse projeto e organizações como a Guarda Republicana. Se você tem de escolher entre dar pão às crianças e fazer mísseis, por que mísseis?

A questão iraniana tem aproximado Israel de nações árabes, como Arábia Saudita e Jordânia. É uma oportunidade diplomática?
Sim. Não há conflito real entre nós. Você tem de ter uma questão para ir à guerra. Pelo que lutaríamos? O mais importante, que é ciência e desenvolvimento, não pode ser conquistado pela guerra.

Mas ainda há situações que precisam de soluções militares, como o programa nuclear iraniano ou o conflito sírio?
Hoje, a fome é mais perigosa que a guerra. Você pode usar a economia antes do Exército. Sanções econômicas, por exemplo. Os militares não podem resolver nada. Não dão comida, não dão ar limpo. Há escassez de ar fresco no mundo.

Israel é um bom exemplo. É um pequenino país. A terra era extremamente pobre. Pântanos no norte, desertos no sul. Um lago morto [o mar Morto] e outro morrendo [o mar da Galileia]. O rio Jordão tem mais fama que água. A história de Israel é sobre homens enriquecendo a terra usando ciência e tecnologia.

Essa abordagem pacífica será mantida no futuro, como um conceito absoluto?
Sim. As nações serão julgadas pelo nível de educação, e não pela força dos Exércitos. Líderes dizem que são fortes. São mesmo? Podem acabar com o deficit econômico? Não. Terminar com o terror? Não. Então quem precisa de vocês? Pobres políticos.

Há falta de líderes no mundo árabe?
Não. Acho que a liderança hoje tem um significado diferente. Líderes não devem mandar no mundo. Eles têm de usar a boa vontade, não o poder. Não há grandes líderes porque não há necessidade deles. Minha recomendação é que líderes sirvam, em vez de mandar.

Qual a avaliação que o sr. faz do conflito sírio?
Temos de ter cuidado. São pessoas extremas. Eles acreditam em armas mais do que em computadores.

Isso se aplica ao Exército regular e aos rebeldes?
O Exército mal consegue existir. Já que a nação síria não está unida, o regime não consegue ter um Exército unido. Não acho que as guerras clássicas sejam o problema real. O problema são os terroristas, que estão destruindo seus países. Veja o que fizeram com o Líbano.

Há receio de que rebeldes tomem o poder e sejam um parceiro mais duro para Israel do que o regime atual?
Sim, mas eles estão tão divididos. Estão unidos contra Assad, mas não entre si. Por isso Assad ainda está no poder: o governo está mais unido do que a oposição.

Qual é a relação de Israel com o Brasil hoje?
O Brasil não é uma terra. É uma civilização. Introduziu uma coisa bastante interessante, que é a democracia em termos reais. Não é só o desejo de ser igual, mas também o direito de ser diferente. O Brasil representa a maior tolerância de nossos tempos. Há árabes e judeus em paz. Por que vocês não exportam a paz para o Oriente Médio?