A reclamação direta da chanceler alemã, Angela Merkel, contra o grampeamento de seu próprio celular mudou a retórica do governo americano –e a baixa prioridade que o escândalo da espionagem recebia da Casa Branca.

A Alemanha já tem recebido propostas de acordos e desculpas que jamais foram oferecidos ao Brasil, como tem analisado a diplomacia brasileira.

Nem o cancelamento da visita de Estado da presidente Dilma Rousseff a Washington nem os protestos (moderados) da França e do México tiveram o impacto da reclamação alemã.

Por meses, diversos diplomatas americanos, em conversas reservadas com a Folha, atribuíam a reação de Dilma ao “cálculo eleitoral” pela campanha da reeleição em 2014 e ao “antiamericanismo” de setores do PT –acusações que não funcionam com a conservadora Merkel, recém-reeleita.

Em telefonema imediato, Obama prometeu a Merkel que “nem no presente, nem no futuro” seu celular seria mais grampeado.

O vice-presidente americano, Joe Biden, disse que não poderia dar essas garantias ao Brasil em agosto.

Uma das maiores defensoras dos sistemas de espionagem em massa, a senadora democrata Dianne Feinstein, que preside a Comissão de Inteligência do Senado, mudou o tom, dizendo que “se opõe totalmente à espionagem de aliados”, e pediu uma revisão completa dos programas da Agência de Segurança Nacional americana.

Feinstein disse que se opõe totalmente à espionagem dos “líderes aliados, incluídos França, Espanha, México e Alemanha”.

A senadora, no entanto, não citou o Brasil. Diplomatas brasileiros se questionam se EUA e União Europeia fecharão algum acordo, deixando o Brasil de lado.

Mas Merkel acabou reforçando a proposta brasileira na ONU (Organização das Nações Unidas) de um acordo multilateral.

Até o final do ano, o governo americano deve concluir o processo de revisão de seus programas de espionagem –o Itamaraty aguarda a resposta americana para compará-las às garantias oferecidas aos europeus.

DESTAQUE

Pela primeira vez em meses, a espionagem ganhou destaque e até abriu alguns dos principais telejornais americanos.

Mas, por enquanto, tanto apresentadores quanto comentaristas convidados repetem na TV os mantras de que “todo mundo espiona todo mundo” e que “a espionagem da NSA já salvou muitas vidas de atentados”.

“Merkel é uma política cautelosa. A reação dela é sinal de que tem muita informação sobre o hackeamento”, disse à Folha a diretora-executiva da fundação Bertelsmann, centro de estudos transatlânticos em Washington, Annette Heuser.

“Os europeus estão bem insatisfeitos com o descaso dele com a Europa, e o governo Obama continua a subestimar os efeitos do escândalo. A Europa se uniu pela sua rejeição à espionagem. Europeus, em geral, se importam muito mais com a privacidade que os americanos.”