Com uma densidade demográfica de 2.000 pessoas por hectare, Kibera, localizado nos arredores de Nairóbi, no Quênia (na África Oriental), é um dos assentamentos informais urbanos mais densamente povoados do mundo, segundo a UN-Habitat (Programa das Nações Unidas para os Assentamentos Humanos). O local abriga um terço dos habitantes da capital queniana. Ainda de acordo com a UN-Habitat, sua população total varia entre 500 mil e 700 mil pessoas, o que faz da favela a segunda maior do continente africano e a maior da África Subsaariana.

Para ter uma ideia da dimensão populacional de Kibera, ela é quase dez vezes maior que a Rocinha, na zona sul do Rio de Janeiro, em número de habitantes. Segundo o levantamento “Aglomerados Subnormais: primeiros resultados”, do Censo Demográfico 2010 do IBGE, a Rocinha tem 69.161 moradores, vivendo em 23.352 domicílios, sendo considerada a maior do Brasil.

 De acordo com a diretora executiva da organização não governamental POHK (Power of Hope Kibera, algo como Poder da Esperança de Kibera, em tradução livre), a americana Kelly Ferson-Hood, apesar de vivenciar problemas comuns aos assentamentos informais ao redor do mundo, como ausência (ou deficiência) de saneamento básico, as moradias de Kibera são bastante procuradas por quem mora em Nairóbi. Ela diz, em entrevista ao UOL, que muitas pessoas escolhem viver em Kibera “porque o aluguel é barato e porque ela é perto do centro de Nairóbi”.

“Muitas pessoas vivem em Kibera porque o aluguel é barato e perto do centro. As pessoas deixam a favela para trabalhar, geralmente, nos setores industriais e de serviços”, contou.

Um dos principais problemas de Kibera é o alto índice de diarreia, causado pela falta de hábitos de higiene. Em levantamento feito em 2009 pela International Iniciative for Impact Evaluation, estimou-se que 40% das crianças de Kibera sofrerão com diarreia em algum momento da sua infância.

Por isso, o foco da ONG queniana POHK é a mudança dos hábitos de higiene dos moradores do assentamento irregular, em especial das crianças. Dentre as suas atividades, a entidade capacita mulheres para atuarem na fabricação e venda, principalmente, de sabonete líquido e outros materiais de limpeza, escassos em Kibera.

Em entrevista ao UOL, Kelly Ferson-Hood falou sobre o quadro de pobreza de Kibera e o trabalho da organização não governamental na favela.

UOL: Quais os principais problemas enfrentados pelos moradores de Kibera?
Kelly Ferson-Hood:
A pobreza leva a uma série de questões, como conflitos de terras, sistemas de esgotamento sanitários deficientes ou inexistentes, escassez de água potável e uma saúde precária. Há inúmeros problemas complexos e a POHK decidiu atuar em uma das maiores dificuldades, que afeta principalmente as crianças: a diarreia, doença que pode ser prevenida com hábitos simples de higiene, como lavar as mãos e purificar a água antes de beber.

UOL: Qual a principal atividade econômica da população?
Kelly:
Muitas pessoas vivem em Kibera porque o aluguel é barato e porque ela é perto do centro de Nairóbi. As pessoas deixam a favela para trabalhar, geralmente, nos setores industriais e de serviços. Os homens costumam trabalhar como guardas de segurança, e as mulheres, como empregadas domésticas ou faxineiras. As pessoas que trabalham em Kibera geralmente atuam como autônomas, vendendo chapatis (tipo de pão frito), batata-frita, frutas, vegetais e peixes na estrada.

UOL: Como Kibera começou a ser ocupada?
Kelly:
Kibera foi fundada por volta de 1918, quando o Quênia ainda estava sob o domínio inglês. As terras foram distribuídas a soldados núbios como recompensa pelos serviços prestados durante a Primeira Guerra Mundial e em conflitos anteriores.

UOL: Como funciona o projeto desenvolvido pela POHK?
Kelly:
O POHK trabalha para reduzir a pobreza e aumentar a qualidade de vida das famílias que vivem em Kibera, ajudando mulheres a criarem pequenos negócios com a produção e venda de sabonete líquido, que ajuda a prevenir diarreias. Cada vendedora é treinada para mostrar como usar o produto. Este modelo, que combina produção de renda e ação educacional, é baseado em cinco anos de pesquisa realizadas em colaboração com o projeto Global Washes, da Universidade de Denver, no Colorado (EUA).

UOL: Quantas mulheres participam?
Kelly:
Nós trabalhamos em Silanga, uma das áreas necessitadas de Kibera, onde temos dez mulheres parceiras. Em média, elas vendem mais de 120 garrafas de sabonete por mês. Uma delas, a senhora Loreto, que é mãe de três filhas, desenvolveu seu negócio próprio e chega a vender 60 litros do produto por mês. Recentemente, ela afirmou que a renda adquirida lhe deu condições de mudar de casa, pois a moradia anterior tinha o chão lamacento, onde as filhas dormiam.

UOL: A POHK foi fundada por quenianos?
Kelly:
Sim. Em 2005, três irmãos nascidos e criados em Silanga, Chris, Sylvia e Betty Okere, iniciaram os trabalhos da POHK. Cris foi o primeiro a se tornar ativista e mobilizar a comunidade para realização dos projetos, conseguindo a adesão de outros jovens da comunidade. Em 2009, a POHK se tornou uma organização não governamental para o governo queniano. A parceria com a Universidade de Denver se deu em 2010. Eu me encontrei com a família Okere durante meu trabalho na Global Washes e o término do meu mestrado. Uni-me a Chris Okere para desenvolver um plano de expansão para POHK. Hoje, a base norte-americana da POHK está sediada em Boulder, no Colorado.