Porto Príncipe, Haiti, 12 de janeiro de 2010. “Eu estava na escola, cheguei a minha casa, coloquei a comida. Na segunda colher, a casa começou a tremer. Meu avô estava lá, assustado, mandou que a gente continuasse a comer. Depois, [veio] uma nuvem branca de poeira. Não conseguíamos ver ninguém”. É assim que o haitiano Widson Panooty, 26 anos, relembra o dia em que um terremoto de 7,3 graus na Escala Richter devastou seu país. Três meses depois, o jovem chegou ao Brasil, assim como muitos de seus compatriotas, para tentar reconstruir a vida que foi totalmente abalada pelo tremor.
“Foi muito triste. Muitos amigos morreram. Alguns primos também. Graças a Deus, ninguém da minha família morreu”, contou. Widson é um dos 40 mil haitianos que chegaram ao Brasil após o terremoto de 2010, de acordo com dados do Conselho Nacional de Migração. “Minha mãe, meu pai perderam tudo. Quebrou tudo. Foi uma catástrofe muito grande. Eles não tinham mais condições de me ajudar. Eu tinha que continuar a lutar”, explica. Ele estudava ciências da informática no Haiti e, para iniciar a vida no novo país, foi trabalhar em obras de construção civil.
Hoje, além de comandar uma equipe de pintores, Windson tem um grupo de Hip Hop, junto com mais cinco haitianos. “A gente canta os temas sociais. A gente fala da nossa vida. A gente está buscando a união das pessoas”, explicou o cantor de rap, que ainda tem dificuldades para compreender e falar o português. Com versos em crioulo (creole, em francês) e português, os haitianos usam a rima para falar da realidade do seu país e para acalmar a saudade, palavra aprendida no Brasil. Eles também agregam ritmos próprios da ilha do Caribe. “As pessoas gostam mesmo. A nossa batida tem a coisa caribenha.”
Asthelin Filsaime, 25 anos, é um dos haitianos que fazem parte da Visyon Rap, como o grupo é chamado. Ele veio para o Brasil em 2011 e, assim como o amigo, foi trabalhar na construção civil. “Quando a gente está numa situação dessa, tem que procurar um meio para viver. Deixar tudo de lado até que consiga fazer o que quer”. A música era o que o Don Poopy, nome que ele usa como rapper, queria mesmo quando veio para o Brasil. “É algo que está comigo desde a infância. Quando tinha 11 anos, eu já escrevia letras de música.”
Logo após conquistar o primeiro salário no Brasil, Asthelin começou a construir o sonho de viver da música. “As letras que eu tinha escrito deixei lá no meu país. Tive que fazer outras quando cheguei aqui. Tive que pensar de novo”, relembrou. Mas até que pudesse tirar o sustento da música, foram muitas as dificuldades enfrentadas pelo jovem. A começar pelo trajeto de vinda. Foram dias de viagem, de avião, saindo da República Dominicana, passando pelo Panamá, Equador e depois, de ônibus, pelo Peru, pela Bolívia, até chegar ao Acre, no Brasil. “Tive que pagar US$ 3 mil por essa viagem”, contou.
Passados quase cinco anos da mudança para o Brasil, os dois avaliam que as condições no Haiti ainda são difíceis para um retorno. “As crianças continuam passando fome. Não tem emprego. Não tem comida. Falta escola”, disse Widson, ao ser perguntado sobre as notícias que recebe dos familiares.