O mar de dinheiro em que nadava o Tio Patinhas é pequeno se comparado ao montante que circula no mercado de animação para televisão: 158 bilhões de dólares por ano no mundo. Até hoje, os produtores brasileiros estiveram tão longe desse bolo quanto Zezinho, Huguinho e Luizinho do cofre do tio. Mas essa situação está mudando. Desenhos animados idealizados e produzidos no país estão conquistando um espaço inédito nas grades de programação dos mais prestigiados canais de entretenimento do mundo.
Os estúdios daqui, que sempre dependeram da publicidade para sobreviver, finalmente parecem ter encontrado um caminho para levar suas criações originais para grandes públicos — dentro e fora do Brasil. Existem cerca de 30 empresas especializadas em animação no país e as iniciativas recentes mostram resultados promissores.
A série Peixonauta, criada pela TV PinGuim, produtora de São Paulo, é a preferida do público de 4 a 11 anos que assiste ao canal pago Discovery Kids, de acordo com o Ibope. Mas a maior medida do sucesso está na exportação: as aventuras de Peixonauta, um peixe que circula fora da água com uma roupa de astronauta, já foram vendidas para emissoras de 60 países. “Depois de anos de aprendizado, as empresas brasileiras finalmente estão conseguindo projeção internacional”, diz Eliana Russi, gerente executiva da Brazilian TV Producers (BTVP), associação que representa os estúdios do país.
As histórias de sucesso ainda não são comparáveis à da Rede Globo. A emissora vende cerca de cinco telenovelas por ano para emissoras do mundo todo e é a maior exportadora de bens culturais do país. Mas, com o perdão do trocadilho, os estúdios estão bastante animados. Desenhos para a TV são produtos de altíssimo valor agregado. As negociações internacionais são feitas em unidades de 30 minutos de programação.
Cada bloco de meia hora é negociado por até 300 000 dólares. Uma série completa tem cerca de 10 horas, o que significa que uma série bem-sucedida pode alcançar um faturamento de até 7,5 milhões de dólares só com a venda dos direitos de exibição.
O licenciamento de produtos pode alcançar um valor várias vezes superior a isso. Mas os custos de produção também são altos. Os 52 episódios do primeiro ano da série Peixonauta envolveram o trabalho de 150 pessoas, entre funcionários próprios da TV PinGuim e prestadores de serviços. “É um negócio caro e arriscado”, diz Célia Catunda, sócia da empresa e autora do desenho do personagem. “Se fôssemos nos basear somente nos números, o Peixonauta seria somente mais uma ideia.”
A expectativa da TV PinGuim é que Peixonauta traga de 5 milhões a 10 milhões de reais de receitas nos próximos anos. Aceitar o risco e trabalhar com horizontes mais longos é essencial nessa indústria. Outro requerimento é ter visão multicultural. Já aconteceu, por exemplo, de produtoras locais não terem séries aceitas por exibir cenas em que aparecem solas de sapato, algo considerado ofensivo em países árabes. “Os brasileiros ainda precisam da experiência de profissionais de outros países para entender as sutilezas regionais e criar produtos que despertem interesse em todo o mundo”, diz Jacques Bensimon, ex-presidente da estatal de TV e cinema do Canadá.
O país é referência na produção de séries infantis — vêm de lá os mundialmente famosos Backyardigans, por exemplo — e Bensimon hoje atua como consultor ajudando os brasileiros a abrir os mercados externos. Princesas do Mar, série brasileira exibida em 50 países, foi idealizada em São Paulo, com base nas histórias do ilustrador Fábio Yabu. Mas a produtora Flamma buscou a ajuda de empresas espanholas e australianas para a realização dos episódios. “Quisemos contar com uma visão global para garantir o sucesso das princesas”, diz Reynaldo Marchezini, presidente da Flamma.
Aproveitando o embalo de Peixonauta e Princesas do Mar, mais novidades vêm por aí. As séries Meu Amigãozão, da 2DLab, e Escola para Cachorro, da Mixer, são as próximas a ser lançadas. Além delas, existem pelo menos 30 séries em desenvolvimento no país. Uma das explicações é o aumento dos incentivos governamentais.
O BNDES criou uma linha de financiamento específica para o setor audiovisual, e o Ministério da Cultura e a Agência Brasileira de Promoção de Exportações e Investimentos (Apex) passaram a apoiar o setor. “Eles entenderam que essa indústria move muito dinheiro e também gera muitos empregos”, diz Eliana Russi, da BTVP. Outros emergentes também investem em animação, como Índia e China. Mas as empresas desses países são meras prestadoras de serviços: fazem o trabalho mecânico de dar movimento às ideias dos outros. “Os brasileiros estão ocupando a posição de mais valor, que é a criação de histórias e personagens”, diz o consultor Bensimon.
Apesar de alguns projetos bem-sucedidos, o Brasil ainda está engatinhando. O setor é amplamente dominado por produções americanas — e o mundo da animação está cada vez mais voltado para as telas dos cinemas. Desde o retumbante sucesso de Toy Story, da Pixar, as animações digitais se multiplicaram nos cinemas. Dos dez campeões de bilheteria nos Estados Unidos neste ano, quatro são animações. Um longa-metragem está nos planos dos criadores de Peixonauta, mas não há uma data definida para sua produção. Quem já está trabalhando num filme é a Animaking, de Florianópolis. O longa, que vai se chamar Minhocas, será feito com a técnica de stop-motion e conta a história de Júnior, uma minhoca criança que é escavada para o mundo humano por acaso.
Com um orçamento de 10 milhões de reais, a companhia vive uma situação muito diferente da Dreamworks, estúdio que produziu A Era do Gelo 3 com um orçamento de 90 milhões de dólares. Para contornar as limitações do orçamento, a Animaking conta com o apoio de empresas que integram um polo tecnológico da capital catarinense. Uma delas é a Sipnasi, que desenvolve uma tecnologia de monitoramento das reações humanas. “Chamamos crianças de 6 a 12 anos, nosso público-alvo, para ver cenas do filme e medimos a frequência cardíaca e os movimentos da íris para entender melhor as reações da plateia”, explica Paolo Conti, diretor de Minhocas e sócio da Animaking.
Mesmo sem todo esse aparato tecnológico, já dá para dizer: as produtoras brasileiras estão num estado de muita empolgação — e o filme está apenas começando.