A internet foi criada com uma lógica descentralizada. Ela se espalhou pelo mundo, mudou a relação entre pessoas, governos e países, mas sua gestão até hoje segue o mesmo molde: várias instituições, de várias áreas, decidem o futuro da rede em conjunto. O sistema funcionou até hoje, mas agora pode mudar.
Quem paga a conta dessa enorme rede de comunicação? A internet pode ter um modelo tarifário semelhante ao da telefonia? As empresas que consomem mais banda, como Netflix e YouTube, precisam pagar pela infraestrutura? Os países podem criar suas próprias regras e filtrar a internet internamente?
Essas são algumas questões que serão discutidas a partir de hoje por 193 países em Dubai, nos Emirados Árabes Unidos, durante a Conferência Mundial de Telecomunicações Internacionais (WCIT, na sigla em inglês). O encontro é organizado pela União Internacional de Telecomunicações (UTI), das Nações Unidas.
Nas próximas duas semanas, governos se reúnem para atualizar as regras das telecomunicações. A última vez que isso aconteceu foi em 1988. De lá para cá, muita coisa aconteceu – a começar pela internet comercial. A conferência atualizará os padrões internacionais para o setor, o que desperta a preocupação de organizações civis e de empresas de internet.
Uma das rusgas vem da suspeita de que a UIT estaria tentando assumir o controle da rede, o que faria com que regras fossem definidas por políticos e não por técnicos. Ela nega. Mas documentos vazados mostram que há a intenção de mudar a maneira como a internet é gerida hoje. “Decidimos publicar os documentos para que qualquer um pudesse ver o que está em jogo”, diz Jerry Brito, do site WCITLeaks (leia a entrevista).
Os documentos mostram que parte da preocupação não era exagerada. A Rússia enviou uma proposta para que os países possam regular a internet em seus territórios. Os Estados árabes querem que os países possam controlar “nomes, numerações, endereçamentos e recursos de identificação”.
Há também propostas para redefinir o modelo como a internet é paga. Alguns reclamam que empresas como o Google, por exemplo, exigem uma enorme infraestrutura de telecomunicações dos países e das empresas, mas não pagam por isso. O Google diz que já paga a sua infraestrutura em seus data centers.
“A proposta da UIT é basicamente consertar o que não está quebrado”, diz Marcel Leonardi, diretor de políticas públicas do Google no Brasil. “O modelo de gestão compartilhada funcionou desde que a internet foi criada. Ela só evoluiu porque nunca teve uma autoridade central.” O Google faz uma campanha questionando a tentativa da ONU de controlar a internet.
Mudanças. Para Demi Getschko, diretor do Comitê Gestor da Internet no Brasil, não há sentido em cobrar empresas como o Google. Ele diz que a UIT está tentando redefinir sua atuação. O órgão surgiu no século 19 para cuidar dos telégrafos, passou a gerenciar a telefonia no mundo e, agora, seria natural abarcar também o setor de tecnologia da informação (e a internet).
Em entrevista ao Link, o ministro Paulo Bernardo disse que a governança da internet é excessivamente norte-americana. “A governança deveria ser mais multilateral. Acho que os países deveriam ter assento. Não dá para ter um organismo totalmente americano e os países obedecerem.”
Essa, porém, não será uma proposta brasileira. O Brasil cogitou levar uma proposta sobre neutralidade, mas não houve consenso. Apesar disso, o ministro garante que não assinará nenhum documento contrário à neutralidade.
No plenário, cada país terá direito a um voto. Para que uma nova regulamentação seja aprovada, é necessária a aprovação de uma maioria simples, algo próximo a 90 votos. Isso explica o receio de que propostas radicais sejam aprovadas.
“A internet nasceu em um mundo que não é o mundo das telecomunicações. Se fosse prevalecer o modelo recomendado pela UIT nos anos 80, a internet não existiria como é hoje”, diz Demi Getschko.
EM JOGO
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