O uso “abusivo, exorbitante e descontrolado” de agrotóxicos nas lavouras brasileiras mostra a subordinação do país na nova divisão internacional do trabalho, ficando responsável pela exportação de produtos primários com pouco valor agregado. Segundo o pesquisador e especialista em economia agrária José Juliano de Carvalho, professor da Faculdade de Economia e Administração da Universidade de São Paulo (USP), esse cenário está diretamente relacionado ao modelo agrícola brasileiro, que se sustenta no latifúndio, na monocultura, na produção altamente mecanizada e em larga escala.
“Não é uma questão de tecnologia, mas do modelo de agronegócio colocado como o prioritário no Brasil. Para sustentar essa lógica, empresas e produtores usam sem controle os agrotóxicos e isso afeta de forma muito negativa a economia brasileira”, acrescentou Carvalho, que também é diretor da Associação Brasileira de Reforma Agrária (Abra).
O professor defende uma regulação mais ampla do agronegócio no país, a implementação de projetos de reforma agrária e de zoneamento agroecológico. Ele acredita que o fortalecimento da agricultura familiar pode ser uma alternativa ao modelo atual.
“O problema não é só a química, mas a maneira como ela é usada. O que vemos no Brasil é o domínio do agronegócio pelas grandes multinacionais. É preciso haver regulação do agronegócio e fortalecimento da agricultura familiar que acaba inviabilizada não apenas pelo agrotóxico, mas pelo conjunto do modelo do agronegócio”, disse.
Estudo divulgado há cerca de um mês pela Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa) aponta que o comércio de agrotóxicos no Brasil cresceu 190% entre 2000 e 2010, mais que o dobro da média mundial, de 93%. O mercado nacional de agrotóxicos, que em 2010 movimentou US$ 7,3 bilhões, é altamente concentrado, assim como no restante do mundo. As dez maiores empresas do setor são responsáveis por 65% da produção nacional e por 75% das vendas. O levantamento também mostrou que um único produto, o glifosato, é responsável por 29% do mercado brasileiro de agrotóxicos.
De acordo com o diretor-geral de agrotóxicos do Ministério da Agricultura, Luiz Rangel, o Brasil lidera o mercado de comercialização de agrotóxicos em função da dimensão de sua produção agrícola. Ele garante, no entanto, que os alimentos comercializados no país, mesmo com o uso de agrotóxicos em sua produção, são seguros, já que para serem autorizados os defensivos passam por “severo controle”.
“Todos os alimentos consumidos aqui ou exportados têm garantias de segurança, porque todos os níveis de resíduos foram avaliados e considerados seguros. Além disso, todos os produtos liberados no Brasil passam por severo processo de reavaliação, que pode ocorrer até mais de uma vez por ano. Se há indício de problema à luz do conhecimento científico, temos a obrigação de revisar os dados para ver se a molécula deve ser substituída”, explicou.
Luiz Rangel também explicou que o Ministério da Agricultura coordena as ações de fiscalização executadas pelos estados para verificar se o comércio e o uso desses produtos estão sendo realizados de forma adequada.
“Por meio de um trabalho de inteligência, identificamos que os maiores consumidores de agrotóxicos no Brasil, cerca de 80%, são as grandes áreas de elevada tecnologia, ligadas à soja, à cana-de-açúcar, ao trigo, ao algodão etc. Esse grande mercado nos preocupa menos, porque em geral conta com engenheiros agrônomos e empresas devidamente instaladas. O que nos traz mais preocupação são as agriculturas menores, de cinturões verdes, que representam 15% do mercado, mas 90% do problema em função principalmente dos desvios de uso”, disse.
Segundo definição do ministério, os agrotóxicos são produtos e agentes de processos físicos, químicos ou biológicos, destinados ao uso nos setores de produção, armazenamento e beneficiamento, pastagens, proteção de florestas nativas ou implantadas e de outros ecossistemas, bem como de ambientes urbanos, hídricos e industriais.
Para ser comercializado no país, o agrotóxico precisa ser registrado pelo Ministério da Agricultura, pelo Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis (Ibama) e pela Agência Nacional de Anvisa.