A tecnologia permite que uma pessoa tenha em seu smarthphone, computador ou tabletaplicativos e acesso a sites que possibilitem assistir a filmes online a qualquer hora e em qualquer lugar. Mas seria a tecnologia uma ameaça a um movimento que tenta manter a tradição do debate e do encontro entre pessoas como os cineclubes? O tema divide opiniões.
A pesquisadora de cinema Berê Bahia conta que o cineclubismo é uma atividade antiga no Brasil. “O primeiro cineclube foi criado em 1928, no Rio de Janeiro. O pessoal da minha geração, acho que 90% , tem formação cineclubista”. Segundo ela, ao longo da história, esses espaços enfrentaram momentos difícieis, como na ditadura, por exemplo, e foram locais de formação para nomes importantes do cinema nacional como Glauber Rocha.
Mas o que são esses lugares? O presidente do Conselho Nacional de Cineclubes (CNC), Jorge Conceição, explica: “É um espaço aberto para programar filmes que tenham relação com a realidade da comunidade e, após a exibição, abre-se um debate. Os movimentos cineclubistas são ações de psicopedagogia crítica”. Outra característica é a entrada gratuita. Um fator importante para atrair aqueles que muitas vezes não têm acesso a uma sala de cinema.
Pedro Lacerda, diretor da Associação das Produtoras Brasileiras de Audiovisual, acredita que a tecnologia tenha tirado público dos cineclubes. “A magia da película, do celuloide, foi acabando, e hoje foi substituída por uma projeção tecnológica. As pessoas não se interessam por ir ao cineclube. Hoje elas podem baixar [um filme], assistir no aplicativo, parar o filme quando quiser, analisar uma cena.”
Mas há quem veja na tecnologia uma oportunidade para aprimorar o trabalho na área. Vitor Sarno é um dos organizadores do Jiló na Guela, cineclube que funciona na capital federal há pouco mais de dois anos. Para Vitor, a internet provocou mudanças no cinema: salas menores e em menor quantidade, concentradas geralmente em shoppings. Mas ainda assim, para ele, a maneira tradicional de assistir aos filmes não morreu e é possível ver vantagens na tecnologia.
“A internet facilita que o cineclube tenha acesso a materiais que antes não tinha. Já passamos documentários que não foram lançados aqui”. E mesmo com as mudanças, o organizador acredita que o cineclube ainda consiga se diferenciar. “Na internet tem muita opção e muitas vezes você não consegue filtrar. No cineclube, o que a gente tenta é garantir uma curadoria: selecionamos filmes bons para passar.”
Euler Soares é técnico educacional e integra a equipe do CineCAL, cineclube da Casa da Cultura da América Latina, instituição da Universidade de Brasília (UnB). As exibições ocorrem no Setor Comercial Sul, na área central da cidade, todas as terças e quintas às 12h30. Ele conta que com as facilidades da internet e dos aplicativos é preciso investir em material inédito para chamar a atenção do público, mas defende que o interesse pelos cineclubes ainda existe. “Acredito que as pessoas tenham necessidade desse encontro físico, dessa troca, de conversar com os outros, de comentar o filme.”
Eduardo Ricci é fundador e coordenador do Lanterna Mágica, que existe há 15 anos. O cineclube funciona na Universidade Santa Cecília (Unisanta), na cidade de Santos, em São Paulo, e atende tanto aos estudantes quanto à comunidade. Ele percebeu que com o avanço da internet uma parte do públic passou a não ser tão frequente nas exibições. “Depois que a internet ficou mais popular diminuiu um pouco de público. O pessoal mais antenado em tecnologia fica mais em casa. Sinto essa diferença, mas no geral as pessoas continuam indo. Hoje, uma parte desse pessoal trabalha com a gente. Trabalha com aplicativos, dispositivos móveis.”
A pesquisadora Berê Bahia acredita que os cineclubes continuam servindo como “fator de agregação em torno do cinema”. Para os cineclubistas, o ponto forte são os debates ao final das exibições. Esse momento é importante para a formação de público, pois muitos dos espaços exibem filmes que não estão no circuito comercial. Seja com um especialista ou até mesmo com a equipe realizadora dos filmes, para o presidente do CNC, as conversas devem provocar os espectadores. “No debate tem que ter sempre alguém de visão mais crítica para gerar uma educação reflexiva”. Outro papel destacado pelos cineclubistas é a divulgação do audiovisual.
Mas os espaços também enfrentam desafios. Eduardo Ricci, do Lanterna Verde, destaca a falta de reconhecimento do trabalho. Para ele, falta engajamento de instituições, principalmente no que se refere à inclusão. O presidente do CNC levanta dois pontos: a falta de incentivo e a dificuldade de ter uma metodologia adequada para atuar dentro de certas comunidades. “Tem todo um cuidado para não piorar os conflitos que já existem ali. Além dos desafios materiais, tem esse desafio metodológico.”
Pedro Lacerda destaca a importância de se criar cineclubes dentro das escolas e de ações para preservar a atividade no âmbito das instituições de ensino. “Dentro da escola, no seio do processo educativo, justifica-se muito a criação de cineclubes, mas os projetores estão parados. Na escola, já tem o público e tem a formação de público, que são os alunos, e eles vão aprendendo a gostar de cinema.”
Para que a atividade cresça, algumas medidas governamentais visam ao fomento da atividade. Durante o 47º Festival de Brasília do Cinema Brasileiro, este ano, um projeto foi lançado pelas secretarias de Educação e Cultura do Distrito Federal. O objetivo é incentivar a montagem de cineclubes dentro das escolas públicas do Distrito Federal. Atualmente, segundo a Secretaria de Educação, 77 escolas têm equipamentos e quase 50 delas já passam projeções para a comunidade. Agora, o projeto pretende investir em outras instituições e na formação de alunos e professores.