Para a roterista Rebeca Puig, de 29 anos, o machismo se infiltra na cultura pop de muitas maneiras, não só nos quadrinhos. Uma delas é através dos uniformes das super-heroínas. “Quando uma guerreira é desenhada com biquíni e salto alto, o design da roupa é baseado no olhar lascivo masculino, não no mais prático ou que faria mais sentido”, diz ao G1.

“Supergirl” ganhou sua primeira série e “Mulher-Maravilha” vai aparecer pela primeira vez no cinema. Mas não é só isso. Há duas vilãs no aguardado “Esquadrão Suicida” e polêmicas envolvendo o sexismo no mundo dos super-heróis e super-heroínas. O G1 publica as opinões de quatro mulheres que se divertem e trabalham com esse universo.

Formada em Cinema pela FAAP e em roteiro para TV e Cinema pela Vancouver Film School, ela criou no ano passado o site Collant sem decote.

“Quando comecei o Collant, foi uma junção de duas coisas com as quais eu me importo muito: feminismo e cultura pop. Eu cresci lendo quadrinhos, vendo filmes e seriados, jogando videogames, e cresci mulher dentro de uma sociedade que sempre me culpa, mas dá o benefício da dúvida para o homem”, conta.

“O Collant é um espaço onde eu e as outras colaboradoras podemos falar sobre o que gostamos de maneira livre e segura. Queremos incentivar que outras mulheres se empoderem através das nossas discussões.” Um dos tópicos é a hipersexualização e a utilização do nu feminino como meio de atrair o espectador, o que ajuda a sustentar uma política de objetificação das mulheres.

Capa traz filme 'Batman vs Superman: A Origem da Justiça' (Foto: Divulgação/'Entertainment Weekly')
Capa traz filme ‘Batman vs Superman: A Origem da
Justiça’ (Foto: Divulgação/’Entertainment Weekly’)

 “‘Batman vs Superman’ teve uma foto lançada faz pouco tempo, na qual aparecem Batman, Superman e a Mulher-Maravilha. O Batman e o Superman estão com os corpos completamente cobertos, enquanto a Mulher-Maravilha está de top e mini-saia”, compara.

“Essa é uma falta de simetria que se estende a todos os nossos meios de cultura. ‘Game of thrones’ usa mulheres nuas como se fossem objetos de cena que vão passando do colo de um homem para outro homem. São personagens sem nenhuma função na história a não ser o ornamento”, diz Rebeca.

Contudo, ela aponta que os quadrinhos de super-heróis norte-americanos já vêm incluindo mais personagens femininas e que “você pode ser um cara e se identificar com os dramas de uma mulher porque nós somos todos humanos, e no fundo nossos medos e anseios são os mesmos”.

Rebeca diz que os filmes e HQs de super-heróis são sexista porque são “poucas mulheres envolvidas na produção do conteúdo”. Ela também cita a “quase inexistência de protagonistas femininas se comparada à quantidade de personagens masculinos, e a imposição de um padrão de beleza que é inatingível”.

Jeremy Renner e Chris Evans chamam Viúva Negra de 'vadia' em entrevista a um site britânico (Foto: Reprodução/YouTube)
Jeremy Renner e Chris Evans chamam Viúva Negra de ‘vadia’ em entrevista a um site britânico (Foto: Reprodução/YouTube)

Viúva Negra ‘vadia’?
Casos como o dos atores Jeremy Renner e Chris Evans, que chamaram a Viúva Negra de “vadia” em uma entrevista, são exemplos de “sexismo que atravessa a tela e atinge a gente na vida real”, diz Rebeca.

“Esses caras passaram a vida inteira achando que fazer piada chamando mulher de vadia é ok, mas hoje a gente vive uma realidade em que você vai ser responsabilizado pelos seus atos. Esse tipo de piada se baseia na opressão do sexo feminino, que é sustentada pela indústria ao se recusar a questionar e subverter os estereótipos femininos negativos que ela insiste em reproduzir”, afirma.

“No caso da Viúva Negra, a necessidade da personagem feminina estar sempre atrelada a um romance, aliada à visão de que a mulher sexualmente ativa não é merecedora de respeito, sustenta esse discurso dos atores.”

Rebeca Puig na Comic Con Experience em SP (Foto: Arquivo pessoal)
Rebeca Puig na Comic Con Experience em SP
(Foto: Arquivo pessoal)

Eles não cedem espaço
Rebeca conta que, quando mais nova, comprava quadrinhos todo mês, até que começou a notar que suas personagens favoritas eram sempre diminuídas ou ganhavam histórias menos interessantes do que seus colegas homens.

“Fui deixando de comprar com o tempo. Quando comecei a estudar narrativa e me descobri feminista, me dei conta que esses padrões de violência, assédio e desprezo pelas quais a gente passa no dia a dia são reproduzidos nas histórias.”

Ela afirma que o universo nerd reproduz com precisão o machismo e a misoginia da sociedade. “Esse clube do bolinha é, em parte, responsável pela manutenção desse machismo e dessa misoginia, já que não se abre espaço para uma participação feminina mais igualitária”, diz.

“Nós somos 50% do mercado em potencial e já somos 44% do público na San Diego Comic Con, número que cresce todos os anos. Acho que mulheres precisam ir atrás e se impor sim, mas o trabalho também tem que vir dos homens”, comenta Rebeca.

“A indústria é dominada por homens que não estão muito satisfeitos em ceder espaço para mulheres. Enquanto esses caras, que são representantes, criadores e comentaristas desse universo, não reavaliarem os seus valores, revirem seus privilégios e realmente abrirem espaço para que mais mulheres se sintam bem vindas e incentivadas a participar, a luta ainda vai continuar