Em setembro de 2015, os paulistanos tiveram uma surpresa: o governador de São Paulo decretou a revogação da legislação do estado que garantia às empresas vendedoras de programas de computador a não incidência do ICMS sobre a venda, cessão, permissão de programas de computador. Juntamente com esta decisão, o Confaz, por meio do Convênio 181 de 2015, autorizou a tributação da operação de venda de software, com alíquota mínima de 5%.

De acordo com o sócio especialista em Direito Tributário do escritório Küster Machado em São Paulo, Tiago Hodecker Tomasczeski, além de ser uma forma de aumentar a arrecadação, que sempre é uma preocupação para o Fisco Estadual – especialmente em época de repasses federais escassos em decorrência da diminuição da receita da União – a tributação de softwares no Brasil nunca foi assunto inteiramente pacífico. “A legislação está bastante desatualizada em relação ao estado atual da tecnologia, e isso causa interpretações conflitantes entre os entes federados – de forma que estados e municípios estão em constante guerra para colocar-se como competentes na arrecadação dessa fatia de mercado que cresce exponencialmente”, explica. 

Tomasczeski, que acumula nove anos de experiência na área de Consultoria Tributária, conta que esta é a primeira ação que contempla a futura possibilidade de tributação sobre software adquirido por download ou streaming. Anteriormente, o ICMS, no estado de São Paulo, incidia exclusivamente sobre os softwares de prateleira, padronizados, que eram comercializados em mídia física. “O ICMS era cobrado sobre uma base de cálculo que equivalia ao dobro do valor cobrado sobre o CD, DVD, pen-drive ou qualquer outro material físico que contivesse os dados”, relembra.

É claro que a revogação veio acompanhada de polêmica. A Confederação Nacional de Serviços, por exemplo, questiona a decisão com o argumento que esta cobrança consiste em bitributação. “Esse questionamento surge especialmente pela previsão de tributação do software que já estava sendo tributado pelo ISS”, explica o advogado especialista. Ele conta que a CNS entende que as operações com software já estão no âmbito de incidência do ISS, e que conforme disposto na lista anexa da Lei Complementar nº 116 /2003, a legislação estabelece como hipótese de incidência do imposto municipal a elaboração de programas de computadores, inclusive de jogos eletrônicos e licenciamento ou cessão de direito de uso de programas de computação. “No entendimento da CNS, o software não possui natureza jurídica de mercadoria, sendo que o consumidor adquire apenas o direito de uso do produto, por meio de uma licença/cessão e cobrar ICMS sobre a mesma operação seria, de fato, bitributação – efeito de um abuso de competência dos estados”, esclarece.

streaming, aliás, é fator que gera mais dúvidas. Ele será cobrado, afinal?  O advogado explana que, por hora, a tributação está suspensa, mas que a hipótese existe. “O Decreto 61.791 acrescentou às Disposições Transitórias do Regulamento do ICMS o artigo 37, que, em resumo, afirma que enquanto não for definido por lei quem é o responsável por pagar o ICMS devido nestes casos, o imposto não poderá ser cobrado”.

Nada obstante, encontra-se em tramitação no Senado o projeto de Lei nº 386/2012, que prevê a inclusão entre as descrições dos serviços tributáveis constantes na lista anexa da LC 116/2003 para tributação do ISS: A disponibilização, sem cessão definitiva, de conteúdo de áudio, vídeo, imagem e texto por meio da internet, respeitada a imunidade de livros, jornais e periódicos (exceto a distribuição de conteúdo pelas prestadoras de Serviço de Acesso Condicionado (TV por assinatura), de que trata a Lei nº 12.485, de 12 de setembro de 2011, sujeita ao ICMS).

            Ao tudo indica, o streaming será incluído na legislação como hipótese de incidência do ISS. Mas será que a disponibilização de conteúdo pode ser considerada um serviço?

 

Intangibilidade

Já a polêmica da decisão fica por conta do caráter do software – sendo ele algo incorpóreo e intangível, possui a natureza jurídica de mercadoria? Na verdade, esta questão já é discutida desde 1998, quando uma decisão do STF que pauta até hoje a maior parte das questões sobre tributação de software no Brasil, faz uma diferenciação prática entre duas categorias de software: o software “personalizado” e o software “de prateleira”, ou, como se refere a legislação de São Paulo, software “padronizado”.

“O software personalizado seria aquele programado sob medida, sob instruções e necessidades específicas do adquirente, que não será comercializado em larga escala”, explica o advogado. Ele afirma que sobre tais softwares incide o ISS sobre o serviço de programação, sendo o software apenas a consequência lógica do esforço intelectual do programador. Já o software padronizado (de prateleira) seria aquele produzido em massa, ofertado no mercado em versões sempre iguais para todos os consumidores, sem requisição específica poderia ser considerado mercadoria se comercializado através de mídias físicas.

Tomasczeski, que comanda a equipe que atende empresas dos setores de automação robótica, tecnologia da informação e agrobusiness, defende que essa decisão, todavia, até mesmo por sua data, já não reflete inteiramente a realidade dos produtos e serviços oferecidos online. Isto porque ela presumia a existência de um suporte físico para a comercialização do software padronizado. “Na era dos softwares padronizados, adquiridos permanentemente via download, é difícil sustentar essa lógica binária”, pondera.

O tributarista avalia que definitivamente a batalha entre estados e municípios não está encerrada sobre esse tema – as cobranças não só se tornarão comuns, como também gerarão litígios para o Judiciário resolver. “O fato é que se trata de um setor econômico que cresce vertiginosamente, e que não possui segurança jurídica com relação à tributação do seu produto. O que deveria acontecer é uma movimentação maior do Legislativo para estabelecer conceitos jurídicos mais claros, a fim de que os regulamentos de ICMS e ISS possam claramente abranger suas respectivas hipóteses de incidência”, conclui o profissional.