Um meteoro que cruzou o céu do litoral do Brasil há quase 130 anos seria o real responsável por um terremoto sentido em dois Estados, e não o deslocamento de terra como se pensava até então. Quem levanta essa hipótese cósmica é o geólogo José Alberto Vivas Veloso, que passou a viajar o país atrás de relatos de abalos históricos após se aposentar do cargo de professor do Instituto de Geociências da UnB (Universidade de Brasília).
De acordo com os registros do BSB (Boletim Sísmico Brasileiro), que tem a listagem mais completa de abalos desde o período colonial, um terremoto de magnitude 3 na escala Richter atingiu a costa do Paraná no dia 27 de agosto de 1887. Os moradores de Paranaguá chegaram a sentir o chão estremecer às 8h20, assim como os soldados e os detentos da Fortaleza da Barra, localizada na ilha do Mel, a 17 quilômetros da cidade. Até um canoeiro que estava na baía de Paranaguá notou a elevação do mar após ouvir um grande estrondo, mostra pesquisa do professor aposentado.
Quem também se assustou foi a população de Cananeia, no litoral paulista, a 80 quilômetros da cidade do outro lado da divisa. Além de testemunharem a terra tremer por volta das 8h30 daquele dia, eles viram uma faixa luminosa riscar o céu pouco antes do forte barulho. E mais: uma comunidade agrícola diz ter encontrado a cratera formada com a queda de um fragmento do bólido.
“Ao analisar dados históricos, comecei a remontar essa história quase esquecida de 1887. E nunca ninguém tinha ligado os dois fatos antes. Mas eles têm relação, sim, porque ocorreram na mesma hora do mesmo dia do mesmo ano”, enfatiza o pesquisador que publicou um artigo acadêmico sobre o tema na Revista USP, da Universidade de São Paulo.
Além da percepção do tremor em três pontos diferentes e da elevação do mar da baía, relatados pelos moradores, outras duas evidências colhidas pelo professor não deixam dúvidas sobre as causas do terremoto centenário – hoje, ele reúne pistas e histórias de abalos antigos para seu segundo livro.
Veloso diz que a passagem do meteoro também explica a dificuldade das comunicações de Paranaguá e Antonina, cidades separadas por 25 quilômetros. Os telégrafos dessas localidades paranaenses sofreram “pequenas perturbações na recepção e na transmissão de correntes” na manhã de 27 de agosto de 1887.
“Um meteoro cria uma coluna de ionização e produz distúrbios eletromagnéticos que afetam diretamente a propagação das ondas de rádio. Em outras palavras, ele poderia ter alterado as transmissões telegráficas dessas cidades vizinhas.”
A última prova, diz, está nas páginas da Gazeta Paranaense de 1º de setembro de 1887, quatro dias depois do abalo. Comandantes de dois navios, inclusive um que estava a 500 quilômetros longe da costa de Cananeia, ouviram um “surdo e prolongado rumor, parecido com um estanho estampido” e sentiram um “pronunciado cheiro de enxofre”.
Veloso explica que os relatos dos marinheiros são fortes indícios da onda de choque provocada pela entrada do corpo na atmosfera terrestre. Conhecida também como boom sonoro, a explosão produz ondas acústicas com energia suficiente para vibrar o solo tal qual um tremor surgido de dentro da terra.
Mesmo imperceptíveis ao ouvido humano, essas ondas podem ser captadas pelas estações de infrassom que Veloso ajudou a instalar mundo afora quando trabalhou na CTBTO (Comissão Preparatória de Organização do Tratado de Proibição Completa de Testes Nucleares), que monitora explosões nucleares.
“As estações de infrassom utilizam microbarômetros para medir mudanças na pressão do ar produzida por ondas infrassônicas, que têm baixa frequência e não são ouvidas pelas pessoas. Os dados permitem distinguir se elas são originadas por fenômenos naturais,como meteoros, atividades vulcânicas e meteorológicas, ou se são eventos causados pelo homem, como lançamento de foguetes, voos supersônicos e explosões nucleares.”
Foi assim que os pesquisadores identificaram a explosão do meteoro sobre o céu de Tchelyabinsk, cidade da Rússia, em fevereiro passado. Cerca de 19 estações de infrassom detectaram a trajetória da rocha espacial – até mesmo a base da Antártida, a 15 mil quilômetros da região dos Montes Urais, captou a onda de choque que feriu quase mil pessoas, estilhaçou inúmeras vidraças e danificou construções.