O advogado americano Peter Solmssen tem uma batata quente na mão. É responsável por evitar pagamento de propinas e formação de cartel na Siemens, dois crimes que se tornaram tão comuns no grupo alemão na última década que ele teve que criar uma força-tarefa mundial para limpar a empresa.
A autodenúncia feita no Brasil, na qual a Siemens diz ter combinado preços de metrô com 18 companhias, faz parte desse processo.
Com a delação, uma série de negócios do Metrô de São Paulo e de Brasília são investigados sob suspeita que de houve conluio entre as empresas para elevarem o preço da concorrência.
O americano Solmnssen, 58, ex-vice-presidente da GE, diz que a autodenúncia não é mero marketing. Na entrevista à Folha, feita por telefone a partir de Munique, ele afirma: “As pessoas que tentarem combinar preços vão saber que nós vamos chamar a polícia”. É a primeira vez que um executivo da empresa fala sobre o caso brasileiro.
Na Siemens desde 2007, onde é diretor mundial de “compliance” [controle ético ou conformidade com as leis] e membro do conselho, ele defende que empresas éticas têm mais lucros. O ano em que a Siemens teve mais ganhos, segundo ele, foi 2007, quando o grupo recebeu US$ 1,3 bilhão (R$ 3,1 bilhões) em multas por pagamento de propina e prática de cartel.
Siemens AG Pressebilder/Presspicture | ||
O executivo da Siemens Peter Solmssen |
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Folha – O sr. acredita que cartel é um crime?
Peter Solmssen – Sim, é crime em vários países.
Então alguns executivos seus no Brasil são criminosos?
Sim. Entretanto, a lei incentiva os bons indivíduos a revelarem os atos ilegais.
O fato de os executivos terem revelado o próprio cartel elimina o crime?
A intenção da autodenúncia não é eliminar o crime. É resolver a questão criminal, o comportamento criminoso.
Em 2007, a Siemens recebeu multas que somam US$ 1,3 bilhão após um grande escândalo sobre o pagamento de propina. Por que nós temos que acreditar que o “compliance” não é só estratégia de marketing para limpar a imagem da empresa?
Não vejo as coisas assim. Enfrentamos o mesmo problema de integridade na década de 1950. Nós acreditamos que o negócio limpo é um bom negócio. Em 2007 [após a série de escândalos de 2006], a nossa participação no mercado cresceu, os ganhos cresceram.
Em 2008, um executivo da Siemens do Brasil enviou uma carta anônima ao grupo na Alemanha relatando os mesmos problemas que apareceram agora no acordo de leniência. Por que a Siemens não fez nada quando recebeu essa carta?
Recebemos informação desse tipo do mundo inteiro e investigamos as acusações. Não é fácil apurar essas coisas porque não somos polícia. Não podemos abrir contas bancárias. Não é fácil obter informação fora da Siemens. Não achamos evidências de corrupção nessa carta.
Alguns casos no Brasil ocorreram em 2007, após a companhia ter dito que criara um sistema de “compliance” mais ativo. O sr. acha que o “compliance” funciona bem mesmo com esses casos novos?
O nosso sistema não tem a capacidade de eliminar o mau comportamento de executivos. Temos 370 mil empregados no mundo inteiro.
O acordo no Brasil cita apenas negócios na área de transporte. O sr. tem certeza a Siemens não participa de cartel nos mercados de gás, eletricidade e equipamentos médicos?
Não sei a resposta. Só reportamos o que sabemos. Temos um programa de “compliance” muito bom, investigamos no mundo todo e foi isso o que descobrimos. Após 2007, ficou difícil violar nosso sistema.
Investigadores do caso Siemens no Brasil afirmam que não existe cartel sem pagamento de propinas a políticos e funcionários públicos. Por que a Siemens não cita propina no acordo?
Só reportamos às autoridades brasileiras o que temos evidências das informações.
Alguns especialistas dizem que a Siemens fez a autodenúncia para se livrar de futuras acusações criminais.
Eu ouço sobre isso em todo o mundo. Não é verdade. Nós abrimos para as autoridades uma série de informações muito importantes nos EUA, no Reino Unido e, inclusive, no seu país.
Autodenúncia não é apenas para evitar o pior?
Autodenúncia é muito importante para “compliance”, inclusive do ponto de vista interno. Se você encontra alguma coisa errada internamente, pode mudar o comportamento dos empregados. Não se esqueça que companhias são feitas por pessoas, e de vez em quando elas são estúpidas, cometem equívocos. Pode ser doloroso, mas temos que chegar à verdade para resolver essas coisas.
Eu vi uma conferência sua em outubro, quando o sr. disse para jovens líderes que é “muito fácil” combater a corrupção: é só dizer não. Se é muito fácil, por que a Siemens fracassou no Brasil, pelo menos?
Talvez estejamos confundindo duas coisas [“compliance” e abordagem psicológica]. Dizer não, dito de outra forma, é fazer a coisa certa. É uma questão psicológica. A empresa tem de ajudar a oferecer ajuda e treinamento para as pessoas fazerem a coisa certa. Se alguém tentar fazer a coisa errada, nós devemos ajudá-lo. Tentamos fazer isso com todos os nossos empregados: não aceite tentações, não aceite pressões, não seja fraco, só diga não.
Não é simplista, tal como os conservadores americanos fazem com sexo entre adolescentes, usar o slogan “só diga não”?
[Risos] Não. Só dizer não pode ter uma influência muito forte. A questão é por que as pessoas não fazem a coisa certa. Nós tivemos um caso de pagamento de propina dois anos atrás no Oriente Médio. Eu fiz essas mesmas perguntas. Por que esse cara fez isso? Ele foi treinado. Ele sabe que é perigoso, que é ilegal, que é estúpido.
O sr. continua achando que combater a corrupção é uma questão simples?
A questão simples é aprofundar o efeito [da cultura anticorrupção]. Líderes de uma companhia são como os líderes de um país: devem lembrar as pessoas de coisas óbvias. As pessoas ficam muito nervosas nessas horas [de autodenúncia]. Estamos muito calmos. Achávamos que tudo isso iria ocorrer. O processo normal logo voltará. Mas as pessoas, nossos funcionários e parceiros que tentarem combinar preços vão saber que nós vamos chamar a polícia.