Interceptações telefônicas autorizadas pela Justiça e documentos e dados recolhidos em operações de busca e apreensão feitas pela Polícia Federal em São Paulo a pedido do Cade (Conselho Administrativo de Defesa Econômica) apontam que o cartel de empresas que teria direcionado concorrências públicas e pago propinas para vencer licitações de trens e metrô em São Paulo agiu também para influir no resultado e no preço da licitação do VLT (Veículo Leve sobre Trilhos) de Cuiabá, concluída em maio do ano passado. O UOL Esporte revelou em agosto do ano passado que o vencedor da licitação para a obra na capital do Mato Grosso era conhecido um mês antes da conclusão do certame.
Na ocasião, o então assessor especial da vice-governadoria de Mato Grosso, Rowles Magalhães Pereira Silva, denunciou queo vencedor da licitação na capital de Mato Grosso já estava estabelecido entre os concorrentes, que havia ocorrido pagamento de propina de R$ 80 milhões a membros do governo e que o ganhador seria o Consórcio VLT Cuiabá, que tem entre seus participantes empresas que fazem parte do grupo suspeito de fraudar licitações em São Paulo. A previsão do então assessor se confirmou.
Na investigação sobre as licitações paulistas, a suspeita é de que as empresas formadoras do cartel tenham combinado preços e resultados de concorrências em São Paulo e em Cuiabá a fim de “dividir o bolo” conjunto de contratos, deixando que cada participante ficasse com uma parte das obras e fornecimentos.
Em maio deste ano, a Siemens, multinacional alemã de tecnologia, entregou ao Cade documentação relatando a formação de cartel por cerca de dez empresas, entre as quais a própria Siemens, para acertar o resultado de licitações especialmente para a CPTM (Companhia Paulista de Trens Metropolitanos) e para o Metrô de São Paulo. O cartel estaria operando desde 2000, conforme revelou o jornal Folha de S.Paulo , com base no material entregue pela Siemens às autoridades.
Para o Cade e demais autoridades de controle que investigam o caso, porém, além de em São Paulo e Cuiabá, o grupo teria agido em certames no Distrito Federal, em Salvador, Fortaleza, Recife e Rio de Janeiro. A multinacional alemã foi a delatora do esquema e terá anistia administrativa graças ao acordo de leniência estabelecido com o Cade. Mas, se tiver omitido informações das autoridades, poderá perder os benefícios da delação.
Com base nos elementos colhidos nos documentos e informações fornecidos pela Siemens, a Polícia Federal obteve autorização para instalar interceptações telefônicas e apreender documentos relacionados às concorrências sob suspeita. É desta apuração que surgiu a suspeita do elo com a licitação cuiabana.
A linha de VLT em construção na capital de Mato Grosso está orçada em R$ 1,47 bilhão, entre recursos da União e do Estado. Sua licitação foi concluída em maio do ano passado e vencida pelo consórcio VLT Cuiabá, formado pelas empresas Santa Bárbara, CR Almeida, CAF, Magna Engenharia Ltda e Astep Engenharia Ltda.
A multinacional espanhola CAF é a empresa consorciada que constroi os vagões. Ela também venceu licitação em 2009 da CPTM para fornecer 40 trens para o sistema ferroviário paulista e é citada como uma das participantes do grupo que teria se formado para dirigir as concorrências. Ela é citada pela Siemens no material que a empresa alemã entregou ao Cade denunciando a formação de cartel.
Em abril de 2012, o então assessor especial da vice-governadoria de Mato Grosso, Rowles Magalhães Pereira Silva, revelou ao UOL Esporte que o vencedor da licitação na capital de Mato Grosso seria o Consórcio VLT Cuiabá, isso um mês antes da conclusão do processo licitatório. Disse também que integrantes do governo do Estado teriam recebido R$ 80 milhões em propinas das empresas vencedoras. A proposta que venceu o certame é de cerca do dobro do custo inicialmente previsto pelo governo para a obra, que era de cerca de R$ 700 milhões. Três dias após a publicação da reportagem do UOL Esporte, Silva foi exonerado do cargo.
Mas o então assessor especial de Mato Grosso disse mais. Afirmou que revelou ao consórcio Transvia Cuiabá, formado pelas empresas S/A Paulista Construções e Comércio e Isolux Projetos e Instalações, entre outras, o valor da proposta que seria apresentada pelo consórcio VLT Cuiabá. Apesar disso, o Transvia Cuiabá ofereceu proposta superior à do concorrente, porque teria feito um acordo que envolve uma licitação da CPTM (Companhia Paulista de Trens Metropolitanos) (ouça as declarações de Silva nos quadros acima e abaixo).
Vencedor era conhecido
Pela versão de Silva, para o consórcio VLT Cuiabá ganhar a licitação, a CAF teria permitido que a Isolux, outra das empresas suspeitas de participar do cartel e integrante de um consórcio concorrente na capital do MT, tomasse parte do grupo vencedor de uma licitação para a manutenção de trens da CPTM (Companhia Paulista de Trens Metropolitanos). Um dos consórcios derrotados contava com a Alstom, multinacional francesa também apontada como membro de cartel em São Paulo.
O promotor Clóvis de Almeida Júnior, do MP-MT (Ministério Público do Estado de Mato Grosso), que investiga o processo licitatório do VLT desde a reportagem publicada pelo UOL Esporte em agosto do ano passado, requeriu oficialmente ao Cade acesso à investigação para que seja apurado pela promotoria o suposto envolvimento na licitação de Cuiabá do cartel suspeito de atuar em SP. A solicitação foi feita por meio judicial, e não por meio de um simples pedido de seu gabinete ao Conselho, que já recusou o pedido do governo paulista de ter acesso ao material fruto da investigação.
A Polícia Federal do Mato Grosso, que já possui uma investigação aberta sobre o VLT de Cuiabá, informa que também irá requisitar informações ao Cade sobre o envolvimento do cartel na capital do Mato Grosso para acompanhar o caso.
Já a Polícia Civil do Estado de Mato Grosso, que também abriu inquérito para investigar a denúncia do ano passado, afirma estar em fase de conclusão das investigações, quando será proposto — ou não — o indiciamento de suspeitos.
Ritmo lento
Já no MPF-MT (Ministério Público Federal), o inquérito aberto há um ano para apurar a denúncia do UOL Esporte sobre o VLT de Cuiabá pouco andou. A procuradoria da República solicitou à Secopa-MT (Secretaria Extraordinária da Copa do Mundo no Mato Grosso) a documentação do processo de licitação da obra, para ver se há algum indício de fraudes ou irregularidades, mas a documentação ainda não foi analisada.
Fora isso, foi realizada apenas a tomada do depoimento de um dos supostos envolvidos no caso, o próprio Rowles Magalhães Pereira Silva. Ele teria negado todas as denúncias que fez em conversa gravada com a reportagem do UOL Esporte, afirmando que estava alcolizado. O então assessor especial da vice-governadoria mato-grossense conversou com o UOL Esporte ao meio-dia de um sábado, em uma cafeteria da zona oeste de São Paulo que não vende bebida alcoólica.
O VLT de Cuiabá terá 22,2 km de extensão e ligará o CPA (Centro Político Administrativo) ao aeroporto internacional Marechal Rondón, e o bairro de Coxipó ao centro da cidade. Relatório do TC-MT (Tribunal de Contas do Mato Grosso) do início de agosto mostra que as obras estavam 35,48% concluídas até o final de junho. De acordo com o cronograma oficial, os trabalhos deveriam estar 63,40% concluídos nesta altura. O atraso é de 210 dias. Ate agora, já foram repassados ao consórcio R$ 524,2 milhões. Ao todo, de 27 obras em Cuiabá previstas para a Copa de 2014 (fora o VLT), 16 estão atrasadas. Algumas, como as trincheiras na Avenida Miguel Sutil, apresentam um atraso superior a 180 dias.
Procurados pela reportagem, tanto Secopa-MT como o Consórcio VLT Cuiabá não retornaram até o fechamento desta reportagem. As empresas citadas acima afirmam que colaboram com Cade nas investigações do suposto cartel.