Não quero fugir daqui não. Não. Tivesse eu, sei lá, alguns bons anos a menos, uma situação equilibrada, resolvida economicamente, menos problemas sociais, familiares e gente dependendo de mim, saúde melhor e disposição, além de uma boa dose de calma para enfrentar ignorâncias, enfim, se tivesse tudo isso, o que faria era cair na vida e liderar um movimento amplo, geral e irrestrito pelo país

Sinto muito. Dei a ideia, mas não vou. Vou não. Vão precisar achar outro, e não sei se tem headhunter para isso; só sei que é urgente a necessidade de restabelecer alguma luz, formar lideranças e quadros, arejar as ideias e ideais. Não é nem por falta de querer. Mas prometo, daqui, continuar participando, batucando nas pretinhas. Tentando abrir olhos fechados, apontar injustiças.
Tá, mas se quiserem escrever algum manifesto, posso ajudar, claro. Sempre adorei escrever manifestos. Creio que tenho, vai ver, alma de revolucionária, ou talvez tenha sido uma em vida passada e tenha resquícios. Esse pensamento “Pasionaria” anda aflorando, mas já afastei a chineladas. Se não estou aguentando nem comigo, como é que vou poder ajudar alguma coisa? 
Óbvio que tenho mil ideias de como poderia ser. E seria bonito, porque juntaria as torcidas no que elas têm de melhor, colaria esses mil pedaços que viramos, aproveitaria as boas ideias e intenções que vejo deslocadas em extremos bobos, em dialética atrasada. Não deixaria que o fígado se impusesse sobre o cérebro. Formaríamos um time só, como uma Seleção, capaz de por no mesmo campo tanto flamenguistas, quanto fluminenses, corintianos, palmeirenses, gremistas e atleticanos, todos jogando em seus campos de atuação. O Clube por um Brasil verdadeiramente melhor. Conheço muita gente que ia querer carteirinha.
Nosso movimento seria suprapartidário, alegre, propositivo. Simbolicamente teríamos muitos visuais. Também não escamotearíamos questões mais quentes, mais próximas de nós, umas que nos dizem respeito mais perto da pele, o que incluiria sexualidade, comportamento, drogas, terapias, cultura, educação e a já famosa sustentabilidade. Importante: inventaríamos logo novas formas de consulta, para evitar reuniões maçantes, ou mesmo muros, onde não é legal ficar se equilibrando.
Idealismo é bom e eu gosto. Sou tão a favor da diversidade real e absoluta, com ideias variadas, sem culpa e moralidades, que me tornei um ser diferente, esquisito, meio ET/OVNI, como sei que muita gente não fala – mas acha. Normalmente inofensiva, não ofereço perigo. Pelo menos não normalmente; e é melhor não atiçar.
Só que o sangue ferve nesses últimos dias, pasma de ver sábios virando ignorantes por causas políticas; e ignorantes virando sábios pelo mesmo motivo. Gente que não saiu dos cueiros falando em impeachment e velhos que deviam ter vergonha na cara defendendo essa tragédia tenebrosa que o grupo político do poder montou, e continuará montado em cima, galopando, como se estivessem acima de tudo e de todos, tentando eliminar quem não lhes quer bem a todo o custo.
Navegando nos meus sonhos, esse movimento que idealizo seria como uma balsa, uma arca como a de Noé, que recolheria do mar alguns dos seres de boa vontade que ainda vemos perdidos por aí tentando se salvar, mantendo a respiração com a cabeça do lado de fora, batendo o pé, agitados, para não afundar, não irem contra os seus princípios. Certos tipos ficariam de fora imediatamente. Os sem personalidade que usam a expressão coxinha. Os que ainda acham que essa coisa de direita e esquerda é legal e possa ser determinante, que propõem que a liberdade, seja de expressão ou qualquer outra, deva ter limites (!) Também de fora ficariam os preguiçosos mentais, maria-vai-com-as-outras, os ativistas arrivistas e bem pagos para atacar, inclusive seus próprios amigos. Se fosse eu a comandar essa expedição adoraria também chamar “pra dentro” um povo aí, também meio louquinho, excêntrico, exótico e colorido, para cerrar nossas fileiras. Nossa, como seria divertida nossa arca, nosso barco, nossa balsa!
A coisa está chata. As incertezas empesteiam o ar, embaçando as mais delicadas bolas de cristal. Decisões confusas e mal ajambradas que ficam intocáveis porque são “moderninhas”, ou eles viram “lá fora”. Pouco importa se estão sendo feitas igual ao focinho. Nem sempre admito essa tese que diz que existir, mesmo que errado, mas começar é melhor do que nada. 
Não acho. Começo errado já é problema. Às vezes pode interromper o próprio Futuro, conformado, apequenado. Já vi esse filme, sei até as falas das cenas, tanto as dos vilões quanto as dos bonzinhos. Sonho em ainda ser a protagonista.

*jornalista