Dentre inúmeros paradoxos desta era de incertezas em que nos encontramos, existe uma sede de ética e um sentimento de desolação, gerado pelo declínio dos valores. A palavra “ética” está em todos os discursos. Não há texto a pleitear a reforma da sociedade, do Estado, da política ou do convívio em que ela não figure. Simultaneamente, nunca vimos tantos atestados de seu óbito: violência sem parâmetros, exclusão, preconceito, insensibilidade.
A coleção de “ismos” é interminável: egoísmo, materialismo, consumismo! Eles admitem qualificação: individualismo exacerbado, capitalismo selvagem, “achismo” a evidenciar que o relativismo acabou com todos os absolutismos.
Aparentemente, o consenso único é o da falta de consenso. Tudo é defensável, desde que fundamentado. E como residimos na “República da Hermenêutica”, é legítimo defender todo e qualquer ponto de vista.
Como explicar a convivência desses gêmeos antípodas? Qual deles sobreviverá, já que xipófagos?
Há uma estorinha para crianças que ilustra bem a realidade da vida contemporânea. Todos nascemos com dois animaizinhos em nossa alma: um cordeiro e um lobo. Qual deles se tornará o dominador de nossa consciência?
Aquele a quem alimentarmos melhor. Cada vez que o desalento predomina, que se conclui “não ter mais jeito”, que o mundo é assim mesmo, estamos nutrindo o lobo. Quando encontramos alento e nos animamos ao ver em cada gesto de generosidade, por mínimo que seja, a esperança de que a humanidade ainda tem futuro, estamos dando vitamina ao cordeiro.
O ser humano é um projeto em edificação. Não há termo final para o caminho da perfectibilidade. Temos de assumir a vocação de nos tornarmos melhores a cada dia. Há um costume francês que ilustra com eloquência essa concepção das potencialidades da espécie: é presentear o ser amado com a medalha da qual constam três expressões mínimas: “hoje, mais do que ontem, menos do que amanhã”. A significar que hoje sou um pouquinho melhor do que ontem, mas menos ainda do que atingirei, em termos de perfeição, o dia de amanhã.
Que isso nos convença de que depende apenas de nós atingirmos a plenitude possível: nascemos para sermos bons. Cumpre acreditar nisso e seguir a rota.
*presidente do Tribunal de Justiça de São Paulo