O escritor carioca Carlos Heitor Cony, integrante da Academia Brasileira de Letras, declarou que, aos 20 anos, sabia latim e era capaz de recitar trechos inteiros do Pro Milone, de Cícero, mas que era incompetente nas coisas práticas e necessárias. Ele não sabia sequer tomar um bonde.
O relato de Cony levou-me a refletir sobre a função social do Ensino Médio nas escolas brasileiras, em um momento em que são nos apresentados dados que indicam a evasão dos alunos neste nível de ensino. Há debates que propõem princípios, fundamentos e procedimentos a serem considerados na organização pedagógica e curricular de cada unidade escolar, objetivando a vinculação da educação escolar com o mundo do trabalho e a prática social, consolidando o exercício da cidadania e proporcionando a preparação básica para o trabalho.
Diante dos encaminhamentos propostos, parece-nos que os conteúdos curriculares devem estabelecer a relação entre teoria e prática por meio de situações próximas à realidade do aluno, a fim de que a aplicação dos conhecimentos adquiridos na escola permita a compreensão crítica e a revisão das situações da vida cotidiana. Todavia, quando nos aproximamos da maioria de nossos alunos e, sensivelmente, ouvimos suas vozes interiores, escutamos uma queixa muito semelhante ao lamento de Cony.
Nossos jovens, geralmente, não conseguem fazer conexões entre o saber escolar e o exercício prático desse conhecimento. Esse é, a meu ver, um fator fundamental, dentre outros, que justifica a evasão dos alunos. Falha deles? Penso que não. Problemas complexos exigem reflexões não lineares e abertas. É preciso olhar para todo o contexto e buscar possibilidades.
Culpar somente os alunos é uma atitude reducionista. Disse Bertolt Brecht: “Do rio que tudo arrasta se diz que é violento. Mas ninguém diz violentas as margens que o comprimem”. Da mesma forma, dizer da incapacidade, desmotivação, desencanto e desinteresse dos jovens com relação à escola é ignorar todo o entorno sociocultural que, intercambiando com o sujeito, o constrói. Olhemos para os fazeres pedagógicos, para as inferências didáticas, para o discurso e postura educativa, para a organização do ambiente escolar, para a forma com que agrupamos os alunos, para os conteúdos que elencamos como fundamentais, para as avaliações que organizamos. Não seriam, também, responsáveis pela evasão dos jovens?
Vamos mais longe. Atualmente, em nosso País, existe fraca relação entre a conclusão da escolaridade e a inclusão no mundo do trabalho. Os sucessos sociais e profissionais estão diretamente relacionados com os saberes conquistados na escola? O que fazer? Nesse caso, manual de instruções não existe. Cabe-nos, como educadores, procurar caminhos de conexão entre o que ensinamos e o que faz sentido para o aluno e para a vida.
Tarefa fácil? Evidentemente que não. Aliás, muito difícil. No entanto, é possível, para aqueles que acreditam nas pessoas e têm como eixo balizador de sua vida a educação como ato social de mudança do mundo. Este é o desafio; afinal, o ato educativo é uma prática política que requer muita reflexão e coragem, já que no seu âmago reside a esperança da transformação. Transformação para quê? Para os alunos não ficarem assustados e confusos, na hora de tomar o bonde, ou pior, decidam pular dele porque não sabem para onde vai.
(*) Francisca Paris é pedagoga, mestre em Educação e diretora de serviços educacionais da Saraiva