Não há dúvidas sobre o fato de que a “guerra fiscal” entre os estados da Federação é o mais tormentoso problema do sistema tributário nacional. Através dela, os entes federados, com o propósito de atraírem investimentos e, consequentemente, receitas, criam normas de maneira unilateral, muitas vezes sem respeito às regras constitucionais, gerando um cenário de incerteza empresarial e de insegurança jurídica.
Uma das facetas dessa “guerra fiscal” consiste no ajuizamento de Ações Diretas de Inconstitucionalidade (ADI), através das quais, alguns estados, sentindo-se prejudicados com normas criadas por outros, reclamam, ao Supremo Tribunal Federal (STF), o reconhecimento da inconstitucionalidade de benefícios criados unilateralmente por entes federados.
Recentemente, mais um capítulo veio a lume. No dia 19 de dezembro de 2014, o ministro Roberto Barroso, do STF, deferiu medida liminar em ADI ajuizada pelo governador do estado de São Paulo contra norma do estado de Minas Gerais que autorizava o Poder Executivo mineiro a conceder crédito presumido do ICMS de até 100% do imposto devido nas operações de saída.
O fundamento da norma mineira objeto da decisão, segundo o próprio texto legal, seria assegurar a isonomia tributária, a igualdade competitiva e livre concorrência, em decorrência da mesma prática adotada por outros estados. Seria, em suma, um simples mecanismo de defesa. Constitucional ou não, tal medida, assim como todas as outras, não pode ser apreciada simplesmente com esteio na interpretação literal do Texto Constitucional.
E é justamente esse o receio que se aflora da iminente súmula vinculante proposta pelo Supremo. A Proposta de Súmula Vinculante (PSV) nº 69, de autoria do ministro Gilmar Mendes, dispõe que “qualquer isenção, incentivo, redução de alíquota ou de base de cálculo, crédito presumido, dispensa de pagamento ou outro benefício fiscal relativo ao ICMS, concedido sem prévia aprovação em convênio celebrado no âmbito do Confaz, é inconstitucional”.
Entretanto, os efeitos de uma súmula vinculante com tal redação, podem ser nefastos. Muitas empresas, atraídas por incentivos fiscais e financeiros com prazos longos, estabelecem-se nos estados concedentes de tais benesses, realizando investimentos milionários, gerando milhares de empregos e, acima de tudo, cidadania a áreas esquecidas pelos governos. Todos estes investimentos, obviamente, ancorados nos benefícios fiscais.
As empresas não podem, agora, simplesmente ser compelidas, da noite para o dia, a reverem seus projetos, ou, pior, a devolverem aos estados concedentes dos benefícios dos quais usufruíram os valores desonerados por leis destes próprios estados.
A questão é de tamanha gravidade que o Senado Federal encaminhou, no início deste ano, um parecer ao STF com a solicitação de que a Corte, ao examinar a PSV 69, leve em consideração os esforços que têm sido envidados pelo Legislativo para acabar com a “guerra fiscal”.
Segundo o parecer do Senado, a aprovação da súmula vinculante tal como proposta “terá profundo impacto sobre o equilíbrio federativo, bem como sobre as finanças estaduais e das empresas que usufruíram dos benefícios fiscais”.
De fato, tramitam no Congresso Nacional medidas que minimizarão os efeitos da “guerra fiscal”. Outro avanço foi a edição do Convênio ICMS 70/2014, através do qual 20 estados e o Distrito Federal se comprometeram a adotar medidas específicas para acabar com essa situação de total insegurança.
Diante desse cenário, espera-se que, em 2015, os poderes se alinhem em prol de uma solução menos traumática para a “guerra fiscal”, sob pena de se agravar ainda mais o lastimável cenário econômico atual.
*advogado especializado em Direito Tributário e sócio da unidade de Belo Horizonte (MG) do escritório Andrade Silva Advogados.