Há não muito tempo atrás as questões judiciais não despontavam nas pautas políticas brasileiras. As campanhas políticas eram completamente silenciosas a esse respeito. Ao povo o direito, o processo e o Poder Judiciário pareciam algo simplesmente desinteressante. Essa omissão fez com que o Judiciário se afirmasse como um poder não debatido, não fiscalizado, e, por conseguinte, hipertrofiado, com inúmeras mazelas decorrentes dessa imperfeição democrática; até hoje alguns efeitos deletérios do fenômeno se fazem sentir.
A partir do momento em que as ações judiciais influenciaram fortemente nossa vida política – o “mensalão” foi o episódio mais marcante – o tema foi crescentemente agitado no terreno da política e da sociedade – o que, evidentemente, é bom. É necessário reconhecer, porém, que não temos maturidade intelectual para apreciá-lo, ressalvados os nichos especializados do direito acadêmico e prático.
O presidente da Câmara dos Deputados, Eduardo Cunha, acaba de desenterrar e inflar um projeto de reforma constitucional que põe fim à vitaliciedade e modifica a forma de escolha dos Ministros do STF – hoje consistente em indicação pelo presidente da República e aprovação pelo Senado Federal.
Tal forma é contrafação do modelo norte-americano. No entanto, nos EUA há um verdadeiro “processo político”, em sua concepção sociológica, nos momentos de escolha dos “justices”, poucos, já que o número máximo dos integrantes da Suprema Corte é 9. O povo norte-americano sabe da importância transcendental desse ato e dele participa ativamente – por meio da ABA – “American Bar Association” (equivalente à nossa OAB), grupos de interesse não jurídico e os próprios membros da Suprema Corte. O procedimento é acompanhado com alto protagonismo dos atores sociais, circunstância sempre ausente no Brasil – em que se dá uma indicação presidencial não questionada e uma aprovação no Senado ocorrida no seio de uma suposta “sabatina”, modorrenta sessão de aplausos das quais jamais tivemos conhecimento de recusa do nome alvitrado.
Desde que se introduza esse proativismo acentuadamente crítico, ciente e consciente a nação de que se trata de um dos mais importantes momentos para sua adequada ordenação estatal, o sistema de indicação pode ser mantido. A proposta de Cunha é francamente enfraquecedora do Judiciário e fortalecedora do Parlamento, por razões que compreendemos muito bem, nessa triste e constrangedora quadra de nossa história.
No tocante à vitaliciedade, no sistema americano não há sequer a aposentadoria compulsória. Os “justices” são mantidos no cargo enquanto providos de “during good behavior” (o mérito que atende aos requisitos constitucionais). O sistema de mandatos compromete a independência desses magistrados superiores. Basta dizer que não seriam improváveis as técnicas de procrastinação de um processo até o encerramento do mandato de um ministro incômodo.
Em nosso modo de ver, a erronia está em nossa falta de participação política consciente. As instituições podem ser boas ou más, desde que o povo, o detentor último do poder político, auxiliado por uma imprensa livre e honesta, seja participante ativo das principais decisões. E não se limite ao louvável, mas, improfícuo, ato de protestar e caminhar em expressivas marchas por todo o País, devidamente “assimiladas” pelos senhores do Estado.
 
*advogado especialista em Direito Constitucional, Civil, Tributário e Coletivo do Trabalho.