A partir do momento em que o projeto de lei da terceirização foi levado ao palco como uma das principais estrelas do atual noticiário político brasileiro, uma imensa plateia se dividiu e a ideologia ocupou a vaga da razão. Mas, infelizmente, a maior parte dos oponentes não mostra o menor conhecimento do assunto.
Um projeto que tenta regulamentar a vida de quase 13 milhões de pessoas e mais de 790 mil empresas agora se transforma em ferramenta política para o governo tentar recuperar a imagem desgastada pela descrença. Trata-se de matéria econômica, como se sabe, parte importante do conjunto produtivo nacional há décadas e por isso carente de regulamentação para evitar a insegurança jurídica que se traduz pelos mais de três milhões de processos que abarrotam a Justiça do Trabalho.
Terceirização faz parte do modelo econômico dos países mais avançados do Planeta; eles sabem que a divisão do trabalho reduz custos, baixa preços, aumenta salários em razão de lucros maiores e distribui bem-estar às populações. Isso se chama livre iniciativa, sem a intervenção do Estado. Na Europa, nos Estados e no Japão, mais de 90% das empresas terceirizam suas atividades e 80% dos produtos são comprados de terceiros. Não há divisão entre atividades meio e fim.
Grandes empresas de material esportivo, por exemplo, fazem apenas a gestão da marca e terceirizam sua produção pelo mundo. As de alta tecnologia contratam serviços e, principalmente, inteligência, que dispensa contrato fixo. Novas ideias são sempre bem-vindas. Esses ingredientes estão em falta no debate no Brasil.
Aqui, a discussão está marcada por desinformação e má-fé. Até mesmo pessoas que se dizem “especialistas” disparam chavões como “precarização do trabalho”, fim da CLT, rebaixamento de salários e outras afirmações sem nexo.
Nada disso resiste à menor análise. Dizem que a terceirização precariza o trabalho. Como, se as empresas recolhem todos os tributos e seus funcionários gozam de todas as garantias legais? O que há de precário num trabalho remunerado e com todos os direitos assegurados? Falam de maior número de acidentes; não é verdade, segundo o próprio Ministério do Trabalho. Terceirizados hoje são bem treinados.
Outra falácia é a “pejotização”, uma pessoa que abre uma empresa para prestar serviços. Ora, qualquer brasileiro pode fazer isso – é constitucional. Chama-se a isso liberdade de empreendimento. Mas o que se tenta divulgar é que os milhões de terceirizados passarão a receber seus proventos como pessoa jurídica. Mais uma alucinação.
Esse é só o começo desse imenso torvelinho de hipocrisias e frases de efeito.
A oposição se apega ao passado, quando o mercado era povoado de empresas clandestinas. Até nisso se foge ao assunto. Ora, as autoridades é que devem fiscalizar e punir.
Outra inverdade dita em palanques: a terceirização vai acabar com o emprego no Brasil. Ora, é exatamente o contrário, pois as empresas utilizam essa ferramenta para melhorar seu desempenho, baixar preços e estimular a economia. Isso significa melhorar a competitividade e aumentar empregos.
Diz-se também que será o fim da CLT. A asneira nesse caso vai além do ridículo: a proteção ao trabalhador será duplicada, com garantias afiançadas pelo contratante e sua contratada. Cerca de 80% dos artigos contidos no PL 4330 referem-se aos direitos dos trabalhadores terceirizados. Nenhum outro trabalhador tem essa garantia.
A estultice emerge de novo quando se divulga que o salário vai diminuir no Brasil e se usa como exemplo o fato de que os terceirizados ganham 25% menos do que os fixos. Nada mais natural do que uma copeira ou um porteiro ganharem menos ou muito menos do que um gerente ou engenheiro de uma empresa. Aí se revela falta de inteligência.
Boa parte dos opositores sabe muito bem o que é terceirização, mas não interessa esclarecer: não pela defesa do trabalhador, mas pelo bom dinheiro que pode deixar de ganhar.
A regulamentação da terceirização é uma exigência do mercado de trabalho e o Brasil não pode fechar os olhos para a realidade. Pena que se discuta isso sem pensar nas pessoas. Onde estariam os terceirizados sem o seu emprego atual? Desempregados? No trabalho informal? Ou prestando serviço em grandes empresas, ganhando até menos do que recebem hoje e sujeitas ao desemprego ao menor sinal de crise?
Falamos aqui de pessoas simples – faxineiros, porteiros ou vigilantes, a grande maioria dos terceirizados. Mas poderíamos incluir aí serviços altamente especializados, como os profissionais de tecnologia, pesquisadores, contabilistas, médicos, que podem ganhar até mais do que os empregados fixos da empresa ao prestar seus serviços. Uma pesquisa da Fiesp (Federação das Indústrias do Estado de São Paulo) mostrou que 73,2% das empresas brasileiras terceirizam algum tipo de atividade, seja meio ou fim.
O debate sobre qualquer matéria é saudável à democracia. Porém, a seriedade de propósitos deve se sobrepor à leviandade.
Por fim, mais este absurdo: dizem que as empresas do setor precisam pagar imposto. Soa como insulto. Segundo a própria Receita Federal, 60% do PIS/Cofins arrecadado no País vem do segmento terceirizado. Fora outros tributos igualmente recolhidos.
Espera-se que as pessoas responsáveis pela condução do País se pautem por equilíbrio e bom senso, em vez de arrastar o País ao passado. Importa enxergar a realidade do mercado de trabalho.
*presidente da Federação Nacional dos Sindicatos de Empresas de Recursos Humanos, Trabalho Temporário e Terceirizado.