É um dos muitos ângulos da questão. Pensa aí. Sozinho ninguém faz verão, muito menos uma revolução. Tem de ter pelo menos alguma da tal afinidade, que pode até ser tênue, mas precisa existir de verdade, e aí a gente vai, se junta, atraído, e atraindo-se entre si. Isso vale para o amor. Isso vale melhor ainda para a política. Só que nela precisamos arregimentar mais gente. Suponha que você amanhã de manhã acorde e, antes de levantar-se, se espreguiça e pensa: “Hoje, é hoje! Vou me juntar com quem mais quer melhorar o país”. Para que lado você vai? Pois é. Estou com esse problema. Tem muitas coisas que, penso, são indispensáveis para que o Brasil saia dessa faixa de caretice e esbórnia que nos assola. Mas tem um monte de gente que conheço que vai ficando na estrada cada vez que um item – digamos, mais sensível – desses, se apresenta.
Estamos fadados a nos juntarmos só em montinhos tal está o esfacelamento cultural, ético e social dessa terra que tem palmeiras e onde canta o sabiá. Daí ter constatado por que estamos parecendo caranguejos bêbados na orla da praia esperando a próxima onda. Ou avalanche.
Percebeu onde quero chegar? Igual a mim você também não está acreditando que já passaram mais de quinze dias de um prazo razoável para que o Eduardo Cunha se pinicasse, mas ele está ainda ali, com sua empáfia, e pior: com apoio de umas pessoas que pela lógica deveriam estar longe quilômetros dele? Pessoas que deveriam estar ao nosso lado. Vê só o número de pretensos oposicionistas que a gente vai riscando da lista. Agora soma os que a gente risca porque tropeçam diante das discussões sobre relações homoafetivas, descriminalização, aborto, família, para citar algumas barreiras ou o que pensam – se é que pensam – sobre clima, globalização, paredes pintadas com cor, minissaia, o bacon, ou flores do campo.
Vamos lá, você acordou e insiste que vai se juntar com quem quer melhorar o país. Melhor: já sabe que há quase um milhão de pessoas protestando nas ruas do seu país. Vai para sua avenida e quando chega lá tem de escolher ao lado de quem vai agitar sua bandeira: tem maluco de farda clamando por militares (mas você passou por isso e sabe a treva que é), imberbes garotos buscando projeção (você já viu um desses caçando marajás e não deu certo), contra Cunha, a favor, gritando bobagens desconexas como “a nossa bandeira nunca será vermelha”, que nunca entendi de onde veio a mixórdia dessa ideia.
Conselho: sai daí meio à francesa sacudindo sua bandeirinha, assobiando com o seu cartaz.
O melhor mesmo é procurar e achar algum aglomerado mais feliz que esteja sambando, cantando o hino a capela, mostrando a vida para o filho bebê ou para o cachorrinho que também foi no passeio vestido com a camiseta da seleção.
Não adianta a gente ficar esperando o grupo ideal, porque – sinto muito informar – ele não existe. Um grupo de afinidade total. Está cada um para um lado e Deus por todos; já que lhe deram cidadania, agora também Ele se envolveu.
Parece porta de metrô, o pessoal querendo entrar e outro sair ao mesmo tempo pelo mesmo buraco. Vamos aos poucos buscando nossas afinidades para nos afinar, emparelhar, seja o que for. Compartilhar, porque agora nem se divide mais nada, só se compartilha. Êita.
“Eles”, os outros, esses que para tudo ou não sabiam ou não viram, ou parecem matracas repetindo discursos que nossos olhos desmentem, que nos atrasam em pelo menos uma década, estão sendo localizados e desmascarados. Ainda temos amigos lá entre eles, mas como os consideramos pessoas inteligentes creio mesmo que chegará a hora que verão que não podem mais sustentar esse apoio que surpreendentemente ainda demonstram. A demora piora tudo.
Vamos começar do começo. Para ver se engrena. Vamos passear nas ruas a fim de quem sabe encontrar mais nossos afins. Em química a afinidade aproxima os corpos.
Olha só que interessante. Revolucionar é bom e eu gosto.
* Jornalista – marli@brickmann.com.br