“Tem dia que eu fico pensando na vida, mas sinceramente não vejo saída”, ouviam a música e voz de Toquinho no tema de abertura da telenovela “Viver a Vida”. Entre 14 de setembro de 2009 e 14 de maio de 2010, os brasileiros que chegavam em suas casas, após um longo dia de trabalho, ao ligarem na estação TV Globo apreciavam a telenovela escrita por um dos principais autores deste gênero, Manoel Carlos Gonçalves de Almeida, conhecido por suas tramas baseadas em cotidianos da elite carioca, mais precisamente o Leblon, reduto deste segmento e de sua cor.
O estardalhaço veio logo quando a TV Globo anunciava a trama e quem seria Helena, personagem presente em todas as suas tramas – mulheres fortes, batalhadoras, de desilusões amorosas e muitos amores – que seria vivida, desta vez, por Taís Bianca Gama de Araújo Ramos, mais conhecida pela abreviação Taís Araújo, atriz que protagonizou o antagonismo de Helena, a escrava alforriada Chica da Silva, mesmo nome da trama, transmitida nos anos de 1996 e 1997 e escrita por Walcyr Carrasco.
Chica da Silva foi escrava, alforriada, viveu no anterior Arraial do Tijuco e atual Diamantina, Minas Gerais. Helena, no realismo fantástico de Manoel Carlos, desta vez vivia num dos morros no Rio de Janeiro, era negra e pobre, tornou-se Top Model, deixou o morro e foi viver no Leblon.
Depois de Chica da Silva e Helena, e muitas outras personagens, muitas outras mulheres negras representadas pela atriz, Taís Araújo abriu processo junto à Delegacia de Repressão aos Crimes de Informática, no dia 31 de outubro de 2015, no Rio de Janeiro, por agressões de racismo em sua página numa rede social. A atriz registrou o caso e levará adiante a denúncia.
Taís fez muito bem, denunciou um caso de racismo contra sua cor negra mostrando que sim, há racismo no Brasil. Taís Araújo, atriz, modelo, de corpo escultural, de segmentos social médio-alto, é só um dos casos que assistimos em nosso país. O país que aprecia telenovelas, cujas atrizes negras são recrutadas para viverem os cenários sofisticados da cozinha da elite. Taís mesmo já fez algumas.
De fato concreto, há racismo no Brasil. Está em nossa história, na formação de nosso povo brasileiro, nas contradições de nossa história mestiça, para não usar o termo mulato – chulo e pejorativo comumente utilizado pela maior parte de todos nós que não enxergamos a metáfora racial ao empregarmos este termo – as mulas que carregavam cargas, as mulatas!
A página da rede social de Taís Araújo, a mula da vez, provavelmente foi invadida por aqueles que utilizam este termo sem qualquer preocupação, pela maior parte daqueles que são fãs de Walcir Carrasco e Manoel Carlos, e suas mentes fantasiosas que criaram cenários para dar vida à cor negra na televisão brasileira, quando esta esconde nossa história.
Com certeza são aqueles que se deleitavam com cenas sensuais de Chica da Silva e os desfiles sofisticados de Helena mostrando não somente o corpo, mas sua cor no horário nobre da TV Globo. A questão e resposta são rápidas, sim, há racismo no Brasil.
A análise que exige complexidade e profundidade porque envolve a todos, verde-amarelo-azul-branco. Tem dias que fico pensando na vida e sinceramente vejo saídas! Reconhecermos que há racismo no Brasil, dar nome ao ato, dar cara ao ato, dar cor ao ato, é a primeira saída. Praticá-lo é a contradição na formação do povo brasileiro, escapar a ele, quase impossível, vivê-lo, necessário. Encará-lo e assumi-lo outra necessidade e saída, “Porque não há nada sem separação” e a vida não é somente uma grande ilusão, é também luta, e para esta vale tudo! Brasil mostra sua cara!
*geógrafo e professor do Departamento de Planejamento, Urbanismo e Ambiente da Unesp de Presidente Prudente.