A ação internacional liderada pelos Estados Unidos após os atentados de 11 de setembro de 2001, diminuiu a capacidade de algumas organizações terroristas, especialmente a Al Qaeda. No entanto, novos grupos surgiram e cresceram baseados no fundamentalismo (crença irracional, fanatismo, utilização de dogmas como verdade absoluta) islâmico. A postura fundamentalista colide com princípios fundamentais de liberdade de expressão, opinião e religiosa.
O crescimento desses grupos tem relação com má governança, corrupção, despreparo militar, discriminação de minorias e graves problemas econômicos e sociais, dentre outros. Sendo fundamentalistas, praticam a intolerância religiosa e política e não estão abertos ao diálogo. Por conta do método de ação e da extrema violência praticada, foram declarados terroristas por vários Estados.
Alguns grupos se mantiveram na mídia em 2015, em razão das ações realizadas e da brutalidade empregada em prol de seus objetivos. Na Somália, o Al Shabaab (A Juventude), milícia nacionalista surgida em 2006 com a fragmentação da União das Cortes Islâmicas, derrotada pelo governo somali com apoio da Etiópia e do Quênia. Na Nigéria, o Boko haram (A Educação Ocidental é Pecado), grupo clerical criado em 2002 que se opunha à educação ocidental, que se transformou numa insurgência local contra o governo e, posteriormente, numa milícia brutal que age em diversas regiões da Nigéria e Estados vizinhos. No Iraque e na Síria, o Estado Islâmico (EI), surgido a partir do grupo Jama’at al-Tawhid wal-Jihadu¬ma (Partido do Monoteísmo e da Guerra Santa) (1999) que se aliou a Osama Bin Laden, mudando seu nome para Al Qaeda do Iraque (2000), incorporou vários grupos insurgentes que lutaram no Iraque contra as forças de ocupação lideradas pelos Estados Unidos, alterando o nome para Estado Islâmico do Iraque (2011) e logo depois se envolveu na guerra civil síria como Estado Islâmico do Iraque e da Síria. Rapidamente se tornou conhecido como um dos grupos jihadistas mais extremistas e brutais atualmente em atividade.
Algumas características são comuns a esses grupos. Sua emergência vai além do simples apelo islâmico e se relaciona com os problemas político-sociais nas áreas em que surgem e atuam. Todos pregam a utilização do islão como forma de mudar o estado das coisas criando uma nova sociedade (islâmica) que estaria protegida dos valores ocidentais acusados de serem os responsáveis pelos problemas existentes no mundo islâmico. Os três grupos (assim como outros, por exemplo, na Líbia, no Mali e no Iêmen) cresceram em áreas onde há conflitos armados ou graves problemas sociais, econômicos, etc., ou seja, em Estados considerados “fracos” ou “falidos”. Todos têm um caráter transnacional de suas ações. O Al Shabaad tem atuado no Quênia. O EI atua no Iraque e na Síria e já exportou seus ideais para grupos afiliados em diversas partes do Oriente Médio e da África. O Boko Haram atua nos estados vizinhos da Nigéria. Todos proclamaram seus califados e obtiveram sucesso no uso das mídias sociais para potencializar suas ações e recrutar membros.
Utilizando o radicalismo apoiado numa causa ideológica e religiosa a forte propaganda conseguiu adeptos de diversas origens. A pregação baseada em interpretações distorcidas do islão tem atingido especialmente jovens, os mais afetados pelos problemas políticos, econômicos e sociais dos locais em que vivem e, consequentemente, os mais suscetíveis a aceitar a propaganda.
Sendo radicais, para esses grupos os fins estão acima dos meios a serem utilizados. Assim, a violência (ou ameaça de usá-la) para causar a morte ou infligir danos, é necessária para criar uma atmosfera de terror e intimidar a população e, com isso, obrigar os poderes públicos de um país ou uma organização internacional a agir de determinada maneira (ou abster-se de agir), desestabilizar ou destruir suas estruturas. Os alvos passaram a ser pessoas comuns que não têm ligação alguma com os governos (ou organizações) que os grupos buscam atingir.
Em razão dos meios utilizados e do reconhecimento como terroristas, esses grupos passaram a ser combatidos por forças multinacionais. O Al Shabaab é combatido pelas tropas da Missão da União Africana na Somália (AMISOM). Para combater o Boko Haram foi formada a Força Tarefa Conjunta Multinacional (Benin, Camarões, Chade, Niger e Nigéria). No Iraque e na Síria, o EI é combatido pela coalizão internacional liderada pelos Estados Unidos, além da Rússia e de grupos locais contrários.
Apesar do esforço internacional, os recentes atentados são motivos de apreensão. Os ataques em Beirute, no Sinai, em Paris, no Mali e nos Estados Unidos demonstram algumas características importantes. Os grupos têm se adaptado rapidamente em razão da luta assimétrica e intensificam os atentados ao invés de buscar o enfrentamento direto. Os atentados ficaram mais simples de serem executados (homens/mulheres bombas e militantes portando explosivos e fuzis) e mais difíceis de serem descobertos e combatidos. Os ataques apresentam duas possibilidades igualmente perigosas. Primeiro, o EI pode estar se internacionalizando, por estratégia ou em razão das derrotas que vem sofrendo na Síria e no Iraque. Sua derrota nesses países pode resultar numa leva de militantes capazes de conduzir atentados em qualquer local do mundo. Segundo, grupos isolados (derrubada do avião russo no Sinai, atentados em Paris) e simpatizantes (Califórnia – Estados Unidos) podem estar realizando atentados em nome de grupos como o EI.
O ano de 2015 nos mostrou que: o sistema internacional continua complexo, volátil e imprevisível; nesse contexto, a prática do terrorismo continuará existindo; mesmo as ações militares das grandes potências não são suficientes para lidar com o fenômeno, e por vezes o alimentam; cada vez mais aumenta a necessidade de cooperação, coordenação e ações conjuntas para combater o fenômeno; e a erradicação desses grupos depende de um re-desenho dos Estados e das sociedades nos locais onde surgem e atuam e, principalmente, de relações mais direcionadas aos interesses coletivos que aos interesses particulares dos Estados, os principais atores do sistema internacional.
*doutor em História, professor da Unesp, Câmpus de Marília, e especialista em segurança internacional. Atualmente é Pesquisador Visitante na Universidade de Oxford – Reino Unido.