Apesar de qualquer menção a um teste nuclear ter estado conspicuamente ausente do discurso de ano novo do presidente Kim Jong-Un, o dia 6 de janeiro trouxe o anúncio da explosão bem-sucedida da primeira bomba de hidrogênio da Coreia do Norte.

Bombas de hidrogênio têm capacidade explosiva aproximadamente 100 vezes superior às bombas de fissão (como as de Hiroshima e Nagasaki). O desenvolvimento de uma bomba de hidrogênio significaria, portanto, um avanço substancial na capacidade nuclear norte-coreana e um aumento qualitativo na ameaça que o país apresenta, sobretudo, para seu vizinho do sul.
No entanto, como é recorrente com os testes nucleares da Coreia do Norte, há grande incerteza sobre a veracidade das informações oficiais divulgadas pelo governo. A magnitude estimada da explosão, similar à do teste realizado em 2013, de aproximadamente 7 kilotons, parece incompatível com a detonação bem-sucedida de uma bomba de hidrogênio, em geral na ordem dos megatons. É provável, então, que o anúncio oficial tenha mesclado informações reais sobre a explosão nuclear com inverdades sobre a natureza da bomba, transformando em um grande evento e uma demonstração incrível de força algo que, de outro modo, poderia atrair muito menos atenção nacional e internacional (sendo este o quarto teste realizado pelo país desde 2006).
A repercussão internacional, a despeito das incertezas que acompanham o evento, foi imediata. Declarações de repúdio foram emitidas por diversos países, desde a Coreia do Sul e os Estados Unidos, cuja oposição à Coreia do Norte é evidente, até a China, último aliado de peso do país.
Mas não só de estímulos internacionais se faz um programa nuclear. Um país incrivelmente fechado para o mundo, com uma ditadura que já se estende pela terceira geração, a Coreia do Norte adota políticas que são intensamente motivadas pela manutenção de um regime que parece anacrônico no século XXI. E nada como um inimigo externo para fortalecer o frágil apoio de uma população insatisfeita a um governo antidemocrático.
Assim, o governo norte-coreano nutre uma relação de ódio e dependência aos Estados Unidos. Ódio pelo inimigo ocidental capitalista, que ameaça a sobrevivência do último reduto do socialismo no mundo. E dependência porque, sem a ameaça de um gigante externo, a manutenção do apoio popular ao regime poderia se desfalecer. De fato, parece claro que ao menos parte da população ainda se apega ao discurso ancião de demonização do inimigo ocidental e de exaltação à pátria que consegue, por sua resiliência e engenhosidade, combater esse inimigo. E, para que esse apego se mantenha, o regime deve dar mostras periódicas de força e glória – como a explosão nuclear desta quarta-feira.
Essa estratégia aparenta ser eficaz, dada a longevidade da ditadura norte-coreana. Mas o país precisa olhar também para além de suas fronteiras, e manter um delicado equilíbrio entre a exaltação da ameaça e a demonstração de força para a audiência interna, e o cuidado para não atrair o desgosto externo de forma demasiado fervorosa.

*Raquel Gontijo é doutoranda em Relações Internacionais pelo Programa de Pós-Graduação San Tiago Dantas (Unesp, Unicamp e PUC-SP).