Um dos fatos que mais repercutiram nas redes sociais em 2015 foi o entrevero de Chico Buarque com os garotos do Leblon. Parece que todo mundo saiu em defesa do artista, que teria sido agredido por jovens de classe média alta do bairro por causa de suas posições políticas, em especial o apoio ao governo do PT. Mas quem disse que Chico Buarque precisa ser defendido? Afinal, ele é dono de uma carreira artística que já integra a história do Brasil. Alguns poderão não gostar de suas canções, de suas peças ou de seus livros, mas isso não lhe tira o lugar que ocupa na cultura brasileira. Da mesma forma, nenhuma agressão poderá ferir sua ampla e valiosa produção artística.
Então, por que foi alvo de palavras rancorosas que, em contrapartida, geraram tantas manifestações de apoio? A primeira ponderação que se deve fazer é que os ataques não foram dirigidos ao “artista brasileiro”, e sim ao cidadão que, como qualquer outro, tem o direito de fazer escolhas políticas e de torná-las públicas. E Chico Buarque nunca deixou de se posicionar politicamente, desde a ditadura militar, que coincide com o início de sua carreira.
O problema surge quando se misturam as duas figuras, a do artista com a do cidadão. Dois exemplos: em 1985, Chico Buarque cedeu sua canção “Vai passar” para a campanha de Fernando Henrique à Prefeitura de São Paulo e, recentemente, gravou, com Dado Villa-Lobos e Paulo Miklos, “O trono do estudar”, música com que Dani Black homenageou os estudantes que ocuparam escolas públicas em São Paulo em protesto contra a reorganização proposta pela Secretaria da Educação.
Se na luta contra o regime ditatorial essa mistura mal era percebida em virtude de certa unanimidade de objetivos, a defesa de causas partidárias tem seus riscos, pois implica confrontos e eventuais derrotas. No primeiro exemplo, como se sabe, Jânio Quadros venceu Fernando Henrique e tudo já foi esquecido. No segundo, porém, a atuação de Chico pode ter alimentado a animosidade que marcou as agressões no Leblon. É verdade que a Secretaria da Educação de São Paulo se equivocou na condução de sua proposta, mas é certo também que a ocupação foi encampada por setores políticos interessados menos em discutir o sistema de ensino paulista do que em se opor ao governo do PSDB. Assim, tanto num como noutro caso, tomar partido significou dividir opiniões e mesmo ânimos.
Evidentemente, nada impede que Chico Buarque use seu prestígio em favor de causas políticas. Em princípio, a mistura de papeis não compromete sua obra. Mas pode afetar o seu brilho e principalmente o poder de interagir com diferentes públicos, fazendo água na sua decantada “unanimidade nacional”. Por isso, seria mais condizente com a sua condição de artista e intelectual que, num momento de parcas análises críticas que apontem saídas para a crise econômica e a degradação política, ele se recusasse a alimentar a dissensão e procurasse refletir sobre os problemas que precisam ser enfrentados tanto pelo Governo como por aqueles que dele discordam.
*professor da Faculdade de Ciências e Letras da Unesp de Assis.