Uma preocupação central das instituições de cooperação americanas – tanto no nível hemisférico como no sub-regional – refere-se à manutenção e aprofundamento da democracia. O Mercado Comum do Sul (Mercosul), a União das Nações Sul-americanas (Unasul), e a Organização dos Estados Americanos (OEA) estabeleceram cláusulas democráticas em seu ordenamento jurídico, concordando que a democracia é condição sine qua non para a participação. Assim, além de promotoras do diálogo regional, tais instituições buscam também exercer um papel de promoção da estabilidade.
Nesse contexto seria apenas natural que tais organizações se manifestassem sobre a crise política que acomete o Brasil contemporaneamente, principalmente em razão da abertura do processo de impeachment contra a presidente Dilma Rousseff. Embora o processo de impedimento seja um mecanismo previsto na constituição brasileira, trata-se de tema delicado, tendo em vista a necessidade de garantir que os procedimentos legais sejam em sua totalidade respeitados, que seja garantida de forma integral o direito de defesa e que só haja a condenação caso haja provas conclusivas de crime de responsabilidade. Tais questões são de extrema importância, principalmente considerando que não há consenso sobre a existência de base legal para a abertura do processo de impeachment.
Foi em tal sentido que tais organizações se manifestaram de maneira amplamente convergente. No que se refere à OEA, o secretário-geral, Luis Almagro declarou que a presidenta brasileira demonstra compromisso com a transparência institucional e com a defesa dos ganhos sociais alcançados pelo país durante a última década. Almagro declarou a necessidade de que a Operação Lava Jato não seja interrompida, mas reiterou que nenhum magistrado está acima da lei e que há necessidade de que haja garantia de igualdade de todos perante a lei.
No caso da Unasul, a preocupação com a situação brasileira partiu da Presidência Pró-Tempore, exercida pelo uruguaio Tabaré Vazquez. O governo uruguaio expressou total apoio à presidenta brasileira e moveu-se para que o bloco confeccione um documento sobre o tema. Outros países do bloco foram ainda mais enfáticos em seu posicionamento. Os presidentes da Bolívia, Evo Morales, do Equador, Rafael Corrêa e da Venezuela, Nicolás Maduro, por exemplo, entendiam que se corria o risco de que a crise política tivesse como consequência um golpe de Estado, que se utilizaria de mecanismos judiciais para encobrir-se. O secretário-geral da Unasul, Ernesto Samper, já havia se manifestado por ocasião da condução coercitiva do ex-presidente, Luis Inácio Lula da Silva, para prestar depoimento à Polícia Federal. Na ocasião, Samper afirmou que teria havido desrespeito ao princípio de presunção de inocência.
Os chanceleres do Mercosul também mostraram preocupação sobre a situação brasileira e concordaram em reunir-se para tratar do tema. Nesse caso, a posição argentina merece destaque tendo em vista que o país recentemente elegeu um presidente cujo projeto político e visão de mundo diverge do discurso enfatizado pelo Partido dos Trabalhadores brasileiro. Embora de maneira cautelosa, a chanceler Argentina, Susana Malcorra, expressou a necessidade de que a legalidade seja seguida de maneira clara e deu respaldo institucional à presidente Dilma Rousseff, destacando a legitimidade do governo eleito democraticamente.
Embora haja diferenças de ênfases, percebe-se que as instituições regionais e hemisféricas mostram preocupação com a situação brasileira e manifestam apoio à presidente eleita. A concordância das manifestações mostra a maturidade atingida por essas instituições e revela que, embora sua influência tenha pequeno impacto na política interna, há vontade política de garantir o respeito à democracia e ao Estado de Direito. Tal postura mostra também que caso a solução à crise política ocorra de maneira ambígua no que se refere ao respeito da legislação nacional, entre outras graves consequências, levará ao maior isolamento internacional do Brasil, especialmente na própria região de que faz parte.
*pesquisadora do Programa em Relações Internacionais da Unesp/Unicamp/PUC-SP e do Grupo de Estudos em Defesa e Segurança Internacional da Unesp.