Nas últimas décadas, o fenômeno do terrorismo internacional ganhou destaque como uma das principais questões de segurança internacional, principalmente após os ataques de 11 de setembro de 2001 em Nova York, o lançamento da Guerra ao Terror e, mais recentemente, diante do surgimento do Estado Islâmico do Iraque e da Síria (ISIS, na sigla em inglês). Apesar de forte reação militar dos países ocidentais, as respostas militares não têm sido capazes de acabar com o poder de resistência dos grupos fundamentalistas. Ao contrário, a capacidade destes em atingir países da OTAN se mantém, como mostram os ataques recentes em Bruxelas, em 22 de março de 2016, e em Paris, em 15 de novembro de 2015. A expansão do ISIS, e o recrutamento em países ocidentais, mostra que a “guerra ao terror” tem tido pouca eficácia e, até mesmo, se tornado contraproducente.

Considerando esse contexto, no qual o poder militar e tecnológico das grandes potências não tem se mostrado determinante para impedir ataques terroristas em países membros da OTAN, faz-se necessário pensar em outros caminhos para conter a ameaça terrorista. Conforme definição de Saint-Pierre, um dos principais objetivos do terrorismo enquanto tática é a promoção de “uma reação psicológica de medo, um pavor incontrolável”. Assim, uma forma interessante de resistência refere-se à vontade política de não se submeter a essa lógica, que pode partir dos governos, mas principalmente precisa se ancorar em atitudes individuais e de grupos da sociedade civil. Nesse sentido, é possível destacar diferentes formas de militância, como são os grupos armados formados por ex-prisioneiras do ISIS e o Syria Untold, um projeto midiático para a divulgação de histórias sobre as lutas travadas na Síria. Além da militância armada, a resistência não violenta também se mostra como um meio eficiente de luta.
Dentre as iniciativas nesse sentido, chama a atenção a postura da cantora de origem curda, Hellen Abdulla, conhecida como Helly Luv, que através de música pop apresenta-se como um desafio à propagação do medo e da sensação de impotência diante da ameaça do ISIS. Helly Luv milita pela independência curda e pela resistência ao ISIS em dois vídeos cheios de referência à cultura pop ocidental: Risk it All e Revolution. Ambos estão disponíveis no youtube e alcançam amplo público. Cantando em inglês e promovendo uma linguagem agressiva, em “Revolution”, a artista afirma que “continuaremos lutando”, convoca as pessoas a redor do mundo a se unirem e alerta, repetidas vezes, que “juntos estamos marchando”. De maneira desafiante, ao final do vídeo a artista afirma que a gravação foi feita a apenas três quilômetros de uma base do ISIS. A postura de Helly Luv não é ignorada pelo grupo terrorista, que a ameaça de morte. A artista responde de forma desafiadora – afirmando que continuará gravando.
Ao não se submeter ao medo diante do ISIS, a cantora resiste a sua lógica e manda sua mensagem à população curda. A cantora, que cresceu como refugiada na Finlândia e possui gravadora nos Estados Unidos, obviamente não representa o estereótipo de mulher do Oriente Médio, e sua imagem é claramente ocidentalizada. Essa situação não a impede de mostrar-se orgulhosa da cultura curda e de militar fortemente pelo “sonho de independência” de seu povo. Tendo crescido na Europa como uma imigrante, a figura de Helly Luv também contribui para desconstruir a visão estereotipada sobre os refugiados de origem árabe, persa ou curda, e a narrativa crescente na Europa que conecta migração e terrorismo.
Não se trata aqui de defender que o terrorismo será derrotado apenas com palavras – pelo contrário, há muito o que fazer em outros planos – mas de argumentar que a batalha é travada também no campo simbólico. Essa questão, inclusive, é privilegiada pelo ISIS, que investe fortemente na propaganda como meio para difundir suas ideias e ampliar sua capacidade de recrutamento. Assim, a resistência não-violenta é um meio importante para contestar sua capacidade de ação e propagação. Um dos pontos mais fortes do ISIS refere-se à fortaleza de sua narrativa de invencibilidade – que a cada ataque terrorista de maiores proporções parece ganhar mais força – mas que pode ser desconstruída. É nesse sentido que a militância e exemplos como o de Helly Luv podem fazer importante diferença, difundindo coragem e novas narrativas pelo Oriente Médio e pelo mundo.

 

*pesquisadora do Grupo de Estudos em Defesa e Segurança Internacional (Gedes) da Unesp, Câmpus de Franca.