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A celebração desta data é a única que se pode considerar verdadeiramente universal, atinge a quase todos os países e culturas do planeta. E isto é um fato notável.
A sua origem está indelevelmente ligada à redução da jornada de trabalho ao máximo de 8 horas por dia. É uma reivindicação antiga, que nasce ainda nos grêmios de artesãos da Idade Média ocidental, e passa por vários autores utópicos como Denis Vieras, Tommaso Campanella e iluministas no final do século XVIII. O conceito é simples: dividir o dia em 8 horas de trabalho, 8 horas de repouso e, o restante, para instrução e lazer.
O primeiro passo decisivo para atingir esta meta será dado nos Estados Unidos da América. Depois da guerra civil (1861-1865), rompendo as travas do escravismo, assistiu-se a um impetuoso desenvolvimento do capitalismo industrial. Grandes levas de imigrados europeus forneciam a mão de obra.
Nasceram, então, as primeiras organizações operárias que tinham seu fulcro mais forte em Chicago. Uma assembleia da American Federation of Labor (AFL), em 1884, aprovou uma moção que definia o sábado, 1º de Maio de 1886, como a data em que os trabalhadores deveriam abandonar as fábricas, depois de terem trabalhado 8 horas. Foi memorável. Em centenas de milhares de centros, os trabalhadores abandonaram o trabalho. A repressão foi cruel, com feridos e mortos.
O ápice dos confrontos deu-se em Chicago: em três dias houve dezenas de mortos e centenas de líderes sindicais foram presos. Processados, foram submetidos a longas penas de detenção e 5 deles foram condenados à morte por enforcamento. O movimento entra em refluxo.
Porém, na sequência, ressurgirá em outra parte do globo. Paris, 1889: comemoravam-se os 100 anos da Revolução Francesa. A Internacional Socialista realizava seu congresso naquela urbe. No final das discussões, um delegado da Bélgica propôs colocar nas resoluções um apelo para que no dia 1 de maio de 1890 se realizassem manifestações em todo o globo para a redução da jornada de trabalho, recordando os mártires de Chicago.
O tema foi colocado na pauta política e, no dia fatídico, em muitos países aconteceram passeatas, festas, greves. Em alguns, como no Império Russo, a repressão foi dura. A América Latina também esteve presente com cortejos em Havana, Cidade de México e Buenos Aires.
O congresso da Internacional Socialista em Bruxelas (setembro de 1891), constatando êxito do movimento em tantos espaços geográficos, aprova uma resolução histórica: tornar permanente o 1º de maio como “festa dos trabalhadores de todos os países, durante a qual o proletariado deve manifestar os objetivos comuns de suas reivindicações, bem como a sua solidariedade.”
A decisão havia sido tomada. Muita luta e muito sangue ainda iria correr para consolidar esta data. Mas foram vitoriosos. A cada ano, milhões de trabalhadores e trabalhadoras se encontram para lutar e festejar o seu dia.
E no Brasil? No momento da proclamação da República, a escravidão havia terminado há pouco mais de um ano. A condição do trabalhador era muito simples: não possuía direito nenhum. Mas as leis eram generosas em distribuir penalidades a quem se rebelasse. Terreno adverso, pedregoso, difícil para germinar a flor de maio. Alguns pequenos jornais, quase clandestinos, circulam com a ideia como o “1 di Maggio” em São Paulo.
Em abril de 1894, reúnem-se socialistas e anarquistas para aderirem ao apelo da Internacional socialista. O encontro acabou mal, pois a polícia interrompe e reprime, levando todos para a prisão. O delator havia sido o cônsul italiano em São Paulo.
A cidade que teve a primazia de realizar uma reunião comemorativa do 1° de maio foi Santos, em 1895. Este ato, em ambiente fechado, foi incentivado por Silvério Fontes, considerado por Astrojildo Pereira o primeiro socialista brasileiro de tendência marxista.
Não seria possível nestas poucas notas, contar as inúmeras publicações, greves, manifestações, festas, prisões, mal tratamentos, assassinatos, expulsões de estrangeiros, que aconteceram na luta pelas 8 horas.
O Brasil participou da primeira guerra mundial e, como Estado beligerante, assinou os tratados internacionais. Para levar milhões de proletários ao massacre nas trincheiras, os principais países envolvidos prometeram a redução do horário de trabalho entre outras melhorias sociais. Os delegados brasileiros, Carlo Sampaio e Melo Franco, representando o governo brasileiro, declararam não poder aceitar as 8 horas pelo estágio de civilização atrasada em que vivia o Brasil: típico da diplomacia brasileira, quando se trata de respeitar os direitos sociais e humanos.
Depois de 1919 o movimento dos trabalhados entra em refluxo no mundo e no Brasil. Assim sendo, a oligarquia brasileira foi generosa. O decreto presidencial de Arthur Bernardes no 26 de setembro de 1924, declara: “É considerado feriado nacional o dia 1° de maio consagrado à confraternização universal das classes operárias e à comemoração dos mártires do trabalho”. Porém, para não pairar dúvidas, na mensagem ao Parlamento de 1925, sobre o decreto mencionado, está registrada a seguinte passagem: “A significação que essa data passou a ter, nesses últimos tempos, consagrando-se não mais a protestos subversivos, mas à glorificação do trabalho ordeiro e útil, justifica plenamente o vosso voto.”
E como a história não para, ainda a luta continua, para conseguir as 40 horas semanais e por um 1° de maio combativo de trabalhadores!
*diretor do Instituto Astrojildo Pereira e do ASMOB – Archivio del Movimento Operario Brasiliano, cujo fiel depositário, desde 1994, é o Centro de Documentação e Memória da Unesp.
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