A propensão marginal a consumir, conceito keynesiano, busca demonstrar a reação do nível de consumo ao aumento, na margem, da renda disponível. É a expressão matemática de um estado de espírito. Talvez por isso nunca inteiramente provada empiricamente. Para Keynes, era um indicador importante, pois afetaria diretamente o montante de consumo da economia, o qual, por sua vez, afeta o PIB do país, como um dos componentes da célebre equação: renda nacional = investimento + consumo + gasto do governo + resultado do setor externo.
Como nos momentos mais intensos de filmes de terror, aparições de todo tipo e por todos os lados têm assombrado os consumidores brasileiros, fazendo com que as perspectivas para o produto nacional, pelo menos pelo lado dessa variável, não sejam nada favoráveis. A renda média do trabalhador está em queda (7,4% segundo dados do FMI) e se afasta da obtida em outros países emergentes. A renda per capita também está em queda. Ou seja, pelo lado de suas receitas, o trabalhador se vê sem perspectivas de folga. Tampouco podem recorrer ao crédito, pois quase 50% das famílias declaram que o acesso ao crédito está mais difícil, segundo dados da CNI.
Que não consigam esse crédito talvez evite piorar a situação das famílias endividadas. Pesquisa sobre endividamento e inadimplência da CNC mostra que o percentual de famílias com dívidas diminuiu – o que pode ser revelador de um esforço para se livrar dos pesos do passado para enfrentar as agruras do presente. Mas também revela que, entre os endividados, aumentaram aqueles com dívidas em atraso e aqueles que declaram que não terão como honrar seus compromissos. Aumentaram aqueles que se declararam muito endividados. Já dados do SPC mostram que 42% das famílias recorrem a empréstimos para pagar dívidas – ou seja, esticam a corda na qual pretendem se enforcar.
O peso desse passado se soma a um presente nada tranquilo. Pelo lado das despesas correntes, a inflação renitente castiga os custos do cotidiano. E as famílias entram nesse trem fantasma completamente inseguras com relação ao que encontrarão quando saírem. O índice de medo do desemprego, medido pela CNI, está no mais alto patamar desde que começou a ser levantado, em 1999. Subiu 7,8% em 2016, em relação ao ano anterior. Quase 50% das famílias considera negativo o cenário de perspectiva profissional para os próximos seis meses e 30% se sentem menos seguras em relação ao emprego atual.
Com tudo isso, a intenção de consumo das famílias, medida pela CNC, teve um recuo de 27,5% (maio de 2016 / 2015) e está no seu mínimo histórico. São muitos os fantasmas a assombrar o consumidor brasileiro: desemprego, ameaça de redução de direitos trabalhistas, corte de políticas sociais (inclusive seguro desemprego), exigências excessivas para recolocação, aposentadoria ameaçada etc.. Entre essas famílias temerosas, a maioria de assalariados, estão as de baixa renda, que sofrerão mais com o aperto; e também as de renda média e alta, cuja propensão a poupar precautoriamente aumenta nesses contextos – o que resulta em queda na propensão marginal a consumir: mesmo quando os fantasmas se forem, o medo deles irá perdurar por algum tempo. O pessimismo é difícil de exorcizar e contamina o futuro a partir do presente.
*Economista, Doutor em Filosofia é professor do mestrado profissional em Poder Legislativo da Câmara dos Deputados.
**Economista, é professor e pesquisador do Departamento de Administração Pública da Unesp de Araraquara.