Um dos aspectos da vida social que mais ganha destaque atualmente é a violência doméstica; este não é um fenômeno simples nem novo, e se apresenta permeado por vários condicionantes. Desde tempos imemoriais, o homem se coloca em posição de dominação sobre a mulher. Por conta do sistema patriarcal, entre outros motivos, que prega a submissão da mulher ao homem, este se tornou quase que naturalmente fixado neste lugar. Alguns estudiosos de teorias críticas se referem a este sistema como proveniente, há milênios, do surgimento da propriedade privada de coisas e de pessoas, do homem sobre a mulher, que é coisificada, juntamente com o início da pecuária e agricultura; do surgimento do Estado; da luta de classes, entre outros. No Brasil, desde o seu descobrimento encontramos vários exemplos dos estrangeiros que aqui chegaram e introduziram o patriarcado branco, que não existia nas tribos nativas. Violentamente, como todo processo de colonização, as mulheres nativas foram sendo submetidas aos costumes religiosos, laborais e sexuais do homem branco europeu.
Séculos depois então, nos deparamos hoje com progressos, mas também com retrocessos. Segundo o Ministério da Saúde, através de dados compilados em 2014, 72% dos casos de violência contra a mulher ocorreram em casa, a chamada violência doméstica; 37% destes foram efetivados por parceiros ou ex-parceiros das mulheres que sofreram violência. Os tipos mais comuns de violência contra a mulher são a violência física, agressões com marcas visíveis no corpo feminino; a violência sexual, ou seja, a submissão da mulher à vontade sexual do homem, independente da dela; a violência psicológica, aquela mais difícil de ser identificada, principalmente porque existe uma cultura muito forte de que esta violência é “normal”, podendo, muitas vezes, se confundir com “cuidado e proteção”, como por exemplo, a fala masculina: “não saia de casa; você não vai sobreviver sem mim… vai voltar de joelhos…”; a violência patrimonial/financeira, quando o homem ameaça retirar bens materiais da mulher ou ainda o dinheiro necessário para sua sobrevivência e de sua prole, quando não contar mais com o homem provedor.
A violência contra a mulher vem sendo reproduzida de geração em geração. Homens que foram educados por homens e mulheres mergulhados/as no machismo, que passam esta cultura aos filhos e filhas, sem oportunidade de desconstruírem a relação de gênero de submissão-dominação; mulheres que educam seus filhos desde muito cedo sem que participem da divisão de tarefas domésticas, restando às filhas ou à própria mulher a centralização do trabalho doméstico; brinquedos que são sempre categorizados em “de meninas” e “de meninos”; escolas que fazem diferenciações doentias entre atividades de meninas e de meninos, reforçando a hierarquia entre homens e mulheres, com a sujeição destas àqueles. Transformamos, assim, há tempos, homens em pessoas violentas.
No entanto, estes homens podem ter suas crenças e valores resignificados. Existem no Brasil atualmente grupos com homens que cometeram violência contra a mulher que buscam, inicialmente, a admissão desses atos. Somente julgar e prender homens que cometeram violência, como já sabemos, não tem dado resultados que apontem para mudanças efetivas. Porém, esses grupos ainda se constituem em medidas imediatistas.
A atitude que acreditamos ser realmente transformadora é a educação. Mostrar às crianças, desde cedo, a existência de diferenças e a importância destas; pregar a horizontalidade das relações entre as diferenças; vencermos nossos preconceitos e nos conscientizarmos a cada momento de que existem várias e legítimas maneiras de sermos e estarmos no mundo. Quem convive com crianças sabe: elas não nascem preconceituosas, se tornam. Cuidemos delas então, bem como de nós todos/as adultos/as, que também estamos imersos em um contexto estruturalmente violento e sofrendo com tamanha ignorância por parte de políticos que lutam para que não ocorra conscientização de homens e mulheres, rumo à tão sonhada e perseguida igualdade entre estes gêneros.
*Psicóloga; docente dos cursos de Graduação e Pós-Graduação em Serviço Social da FCHS – UNESP – Franca; líder do Grupo de Estudos e Pesquisas sobre Famílias (GEPEFA); membro do Divergente – Grupo de Pesquisa em Gênero, Poder e Resistências, e da Comissão de Diversidade Sexual e Gênero da OAB de Franca.