O ano de 2016 representa o vigésimo quinto aniversário do Tratado de Assunção, que criou o Mercado Comum do Sul, institucionalizando a integração comercial e o livre-comércio entre Brasil e Argentina. Embora o caráter comercial do Mercosul seja o ponto mais destacado na criação do bloco, sua conformação apenas foi possível após um processo de aproximação entre Argentina e Brasil e sua continuidade demonstra e reforça a parceria bilateral.
Atualmente, a rivalidade entre os maiores países sul-americanos parece uma questão menor. Contudo essa não era a situação durante grande parte da história das relações bilaterais, quando as hipóteses de conflito ainda eram destacadas. Essa questão começou a mudar lentamente ao decorrer do século XX, e a cooperação começou a ser ressaltada, mas apenas foi institucionalizada nos anos 1980, já que os intentos anteriores não logravam continuidade. Foi com os governos Sarney e Alfonsín que a integração bilateral iniciou-se de forma clara. Naquele momento, as medidas simbólicas foram de relevada importância. As operações conjuntas entre as Forças Armadas de ambos os países e as visitas dos presidentes a usinas nucleares do vizinho foram pontos de referência para fomentar a cooperação bilateral. Durante esses governos, a cooperação era pensada do ponto de vista econômico, mas também estratégico, sendo entendida como uma maneira de aumentar a autonomia de ambos.
No período seguinte, com a eleição dos governos de Menem e Collor, a cooperação bilateral tomou outro sentido, sendo pensada principalmente do ponto de vista comercial e como uma primeira etapa para a integração ao livre-comércio no plano mundial. Em 1994, foi instituída a Tarifa Externa Comum (TEC), levando à formação de uma união alfandegária, mesmo que imperfeita, e à necessidade de que os países assinassem acordos de livre-comércio de forma conjunta. Mesmo nesse período, no entanto, o campo da Defesa e Segurança continuou a ser um ponto de cooperação. Pode-se destacar, no mesmo ano da criação do Mercosul, a constituição da Agência Brasileiro-Argentina de Contabilidade e Controle (ABACC), que buscava garantir a transparência dos programas nucleares.
Na década de 2000, a integração entre ambos os países tomou novos rumos, mas continuou a ser entendida como peça fundamental das relações exteriores de ambos. Lula e Kirchner buscavam enfatizar a necessidade de cooperação em outras áreas além da comercial. A cooperação voltou a ser vista como um meio importante para a garantia de autonomia estratégica para os países da região e foi enfatizada por ambos os governos. Embora em outro âmbito, é destacável a criação da Unasul e do Conselho de Defesa Sul-americano.
Contudo, nesse período, o consenso sobre a cooperação regional fragilizou-se especialmente no Brasil, no âmbito de partidos de oposição, como o Partido da Social-Democracia Brasileira (PSDB). Nesse sentido, é interessante destacar a posição de José Serra, que assumiu recentemente a posição de ministro das Relações Exteriores do Brasil pelo governo de Michel Temer. No ano passado, Serra declarou que o Mercosul foi “um delírio megalomaníaco” e uma renúncia da soberania na política comercial, referindo-se principalmente a questão da união aduaneira. O PSDB tem defendido nos últimos anos a tese de que o bloco regional deve retroceder a uma área de livre-comércio. Embora em outro âmbito, a Política Externa de Serra começou dura com os países da região. Uma de suas primeiras ações foi uma nota manifestando repúdio à posição do Secretário-Geral da UNASUL, que não reconheceu o processo de afastamento da presidente Dilma Rousseff.
Apesar de tais aspectos, seria pouco factível imaginar que Serra poderia mudar em pouco tempo a política externa brasileira para a região. A cooperação regional e o Mercosul já possuem continuidade e respaldo em grupos nacionais, assim como são importantes para a promoção de exportações manufaturadas brasileiras. Ademais, a conjuntura política na Argentina, com a eleição de Maurício Macri, é distinta daquela de 2015, e o governo do vizinho coincide com a orientação do novo governo brasileiro no que se refere ao livre-comércio. Ademais, uma mudança na política regional brasileira seria mal vista na região e apenas despertaria desconfianças e mal-estar com relação ao posicionamento do Brasil.
Uma mudança na política regional geraria antagonismos e, espera-se que o governo não siga esse caminho. O discurso de posse de Serra já se mostrou bem mais moderado. O ministro declarou que as relações com a Argentina serão prioritárias no curto prazo e que há a necessidade de renovar o Mercosul pelo fortalecimento do livre-comércio. De qualquer forma, já é possível perceber uma mudança de discurso, pois as relações não foram definidas como estratégicas, ao contrário do que costuma ser destacado no discurso oficial brasileiro e não foram feitas menções à Unasul. Como conclusão, há que se destacar que a nomeação de Serra já é uma mudança. Pela primeira vez desde a redemocratização, o Brasil tem como ministro de Relações Exteriores um ator político que manifestou-se de forma contrária ao fortalecimento do projeto regional. Resta saber o que será colocado em prática e qual será a reação dos vizinhos, e especialmente, a da Argentina.
*Pesquisadora em Relações Internacionais pelo Programa de Pós-Graduação em Relações Internacionais San Tiago Dantas (Unesp, Unicamp, PUC-SP). Integra o Grupo de Estudos em Defesa e Segurança Internacional (GEDES/Unesp) e é bolsista Capes.