Já se completam 10 anos da Segunda Guerra do Líbano (ou Guerra do Líbano de 2006), conflito armado envolvendo Israel, o braço armado do Hezbollah e o exército libanês. A operação militar israelense cunhada de “Justa Recompensa” teve diversas consequências para Israel, uma vez que o gabinete de guerra do Primeiro-ministro se comportou de forma descuidada e o exército agiu desajeitadamente (como nos casos do bombardeio ao subúrbio de Beirute, levando 33 crianças e inúmeros civis a morte e o bloqueio marítimo e aéreo que Israel impôs ao Líbano causando choque na comunidade internacional e desespero em turistas, estrangeiros vivendo no Líbano e a própria população civil libanesa). Por conseguinte, uma organização sub estatal engenhosa, como o Hezbollah, conseguiu diversas vitórias frente a Israel, potência regional armada com tecnologia superior. Ainda devemos lembrar que a Guerra do Líbano de 2006 foi de certa forma propiciada pela invasão israelense ao mesmo país em 1982, que teve como objetivo expulsar a Organização para Libertação da Palestina (OLP) do território libanês, e que teve efeitos devastadores na Segunda Guerra Civil Libanesa (1975 – 1990), fomentando a criação do grupo Hezbollah no país.
É também importante lembrar que Israel nunca esteve em guerra contra o Estado do Líbano, e sim contra grupos armados presentes no país. Em 1982, a invasão israelense pretendia expulsar a OLP do Líbano e, em 2006, pretendia combater o braço armado do Hezbollah. A guerra de 2006 não atingiu o objetivo esperado por Israel e o Hezbollah permaneceu em solo libanês e pode se fortalecer ao longo dos últimos dez anos. Mas a guerra de 2006 também teve uma conquista importante. Ela alterou a dinâmica regional e criou condições para que houvesse um maior intervalo até a eclosão de um novo conflito entre Israel e Líbano, porque apesar de o Hezbollah ter sido vitorioso em diversas batalhas contra Israel, o grupo também sofreu perdas e danos significativos.
A Segunda Guerra do Líbano não é a única razão para este atraso, apesar de tudo. Durante cinco anos o Hezbollah segurou ataques, pois líderes iranianos pediram que as capacidades do grupo fossem preservadas para o futuro (lembrando que o Hezbollah é uma organização xiita e obedece a ordens de líderes xiitas do Irã, além de ser financiado por eles), pois após os danos sofridos na guerra de 2006, o Hezbollah deveria conter suas forças para poder contra-atacar Israel com todo seu potencial. Por mais cinco anos o Hezbollah permaneceu contido porque havia se envolvido na atual Guerra Civil da Síria, tornando perigoso dividir as forças e enfrentar também Israel. Então, dois eventos estratégicos que não estão associados com Israel acabaram por estabilizar a Galileia e sua fronteira com o Líbano. Bem que não se pode ignorar o fato de que o dano causado por Israel ao Líbano e sua principal organização xiita em julho de 2006 marcou a consciência de seus inimigos e um sentimento de revanche sempre existiu.
Ainda assim, mesmo que isso leve tempo (e provavelmente levará), é adequado supor que a terceira guerra do Líbano está a caminho. Após o colapso do exército sírio pela guerra civil síria, a evaporação do exército iraquiano pela guerra do Iraque de 2003, e a reinterpretação do exército egípcio como um “amigo”, o Hezbollah é hoje uma das únicas fontes convencionais que representa uma ameaça significativa para Israel.
O que antes era uma organização terrorista tornou-se um exército de tamanho médio. Suas dezenas de milhares de combatentes (alguns deles treinados na Síria) e suas dezenas de milhares de foguetes poderiam surpreender a população civil israelense no meio da noite. O Hezbollah pode não ter mais força que as Forças Armadas de Israel (IDF) (que também se tornaram consideravelmente mais fortes desde 2006). Mas um novo confronto com o Hezbollah poderá interromper totalmente a rotina de Israel, de todo o país. Ele irá danificar a infraestrutura nacional, gerar um golpe para a economia e causar outro trauma profundo. Israel está preparado para isso?
Militarmente, provavelmente está; mas existem diversas clivagens na sociedade sobre os rumos que o país deve levar e, para enfrentar uma guerra, um país dividido nunca é uma boa notícia. Uma das lutas políticas mais apaixonadas em Israel é travada entre aqueles que defendem uma agenda cívico-social e aqueles que defendem uma agenda relacionada com a defesa militar. Mas essas duas agendas estão profundamente ligadas. Sem uma agenda de defesa não há segurança nacional e sem um orçamento bem definido não há poder militar.
A Terceira Guerra do Líbano pode ocorrer em um ano ou em dez, ou mesmo sequer chegar a ocorrer; mas, de qualquer forma, Israel precisa decidir que rumo quer seguir como país na região. Mais uma guerra só viria a desgastar ainda mais a região e a sociedade israelense. Talvez fosse mais do que hora de Israel repensar formas de ação em relação ao Hezbollah e ao Líbano, pois as duas primeiras guerras não trouxeram bons frutos para nenhum dos envolvidos.
*Mestranda em Relações Internacionais pelo Programa de Pós-Graduação San Tiago Dantas (UNESP, UNICAMP, PUC-SP) e pesquisadora do GEDES/Unesp/Franca.