A comunidade científica brasileira, ou pelo menos parte dela, encontra-se hoje perplexa frente a um período de intensa gravidade vivido pelo sistema de educação, ciência, tecnologia e inovação nacional. Os desdobramentos dos fatos em curso afetarão programas institucionais e pessoais, mas, também, toda uma perspectiva auspiciosa de futuro para o País que vinha se delineando nos últimos anos.

Parte da perplexidade se deve, acredito, ao sentimento de impotência e à constatação de que o valor atribuído ao resultado do trabalho de cientistas e educadores pode ser medido de forma tão variável, ao sabor do momento e dos interesses de grupos políticos. Essa constatação nos leva a pensar que o desejado processo de amadurecimento da sociedade brasileira, que deveria ter ocorrido a partir da Constituição de 1988, foi tão frágil que vem se desfazendo rapidamente.
Dados estatísticos e análises registrados por inúmeras reportagens recentes sobre o quadro de CT&I no País, não deixam dúvidas sobre o que pode ocorrer nos próximos anos caso sejam mantidas as políticas de corte de orçamento e eliminação de investimentos em educação, ciência e tecnologia.
Duas matérias assinadas pelo jornalista Herton Escobar, publicadas pelo jornal O Estado de S. Paulo, sintetizam bem a gravidade dos prejuízos que já começam a ser contabilizados pelo País. Essa preocupação tem sido expressa de forma marcante por instituições como SBPC e a ABC, não somente por meio da divulgação de inúmeras análises e depoimentos, mas também em ações junto ao Governo Federal, MEC, MCTIC, Congresso Nacional, no esforço para impedir o retrocesso do que foi construído a duras penas.
É importante lembrar que durante os últimos 15 anos, principalmente depois da promulgação da Lei da Inovação, em 2004, muitos avanços começaram a ganhar corpo para acionar a cadeia produtiva que associa a pesquisa científica à inovação. Nesse conjunto estão centenas de programas e projetos de pesquisa de impacto nacional e internacional voltados para áreas estratégicas. Muitos podem se extinguir devido ao drástico encolhimento orçamentário do atual MCTIC. As perdas já afetam os INCTs criados para gerar grupos de excelência com a missão de consolidar ambientes de inovação em vários estados da federação. Sem contar com o cenário de incerteza sobre o que vai ocorrer com a Chamada INCT- MCTI/CNPq/Capes/FAPs nº 16/2014. A lista de 252 projetos aprovados quanto ao mérito técnico-científico para financiamento no âmbito da referida Chamada, gera muita insegurança para comunidade que não tem ideia de quantos projetos serão contratados e, quando terão as verbas liberadas.
O que parece estar em jogo hoje, de forma espantosa, é que esse esforço seja interrompido. E sem qualquer projeto alternativo para viabilizar a autonomia do País tendo ciência e tecnologia como alavanca para o desenvolvimento econômico – caminho óbvio para todos os países que almejam alcançar níveis de competitividade mundial. Mais do que nunca fica evidente que atrelar gastos e investimentos em CT&I a políticas de governo, e não ao orçamento do Estado, é o caminho certo para a descontinuidade dessas políticas e para a frustração dos planos de desenvolvimento, como estamos vendo agora.
Aqui é inevitável considerar o exemplo da Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de São Paulo, que desde os anos 1960 tem recursos do orçamento do Estado, respaldos em lei. Graças a esse compromisso a Fapesp tem hoje a exibir números e realizações que se igualam aos países centrais.
Grave também neste cenário é ver que está sendo perdido o trabalho árduo que contou com a colaboração de muitas mentes brilhantes, em busca de respostas para uma questão central. Como fazer para que o investimento nas universidades e institutos de pesquisa chegue às empresas e estas passem a investir em inovação tecnológica como instrumento para a geração de lucros? São milhares de seminários, debates, artigos – muitos esquecidos em alguma gaveta na Esplanada dos Ministérios.
Mesmo modestos, é possível dizer que houve avanços nessa empreitada, que enfrenta uma arraigada mentalidade de desconfiança da inovação e aversão ao risco. Uma nova geração de empresas de base tecnológica está em formação no País, não apenas em áreas de rápida expansão comercial como as tecnologias de informação e comunicação. Mas também nas áreas que exigem tempo mais longo para maturação dos empreendimentos, nas chamadas ciências “duras”, como novos materiais, óptica, microeletrônica, e nas biotecnologias e ciências da vida. A quase totalidade depende, ou dependeu, de apoio das agências de fomento governamentais. A bem-sucedida Embrapii, criada em 2013, requer também um ambiente de pesquisa e desenvolvimento vigoroso.
Quais os resultados de uma política de restrição de investimentos para esse processo? Nesta etapa, a perplexidade não poderia nos levar senão à reflexão e à necessidade de intensificar o debate e o diálogo.

*Professora titular do Instituto de Química da Unesp de Araraquara e vice-presidente da Sociedade Brasileira para o Progresso da Ciência e diretora executiva da Agência Unesp de Inovação.