Há semelhanças entre Guido Cavalcanti, poeta genial, amigo de Dante e uma das mentes mais brilhantes de Florença, no início do século XIV, e Guido Mantega (a pronúncia correta é Güido Mántega), italiano de Gênova, desde criança no Brasil, ex-ministro dos governos Lula e Dilma, atualmente acusado de ter recebido, em nome do partido, R$ 5 milhões das mãos do bilionário “empobrecido” Eike (será que a pronúncia também pode ser “Aike”)? Resposta: por incrível que pareça sim, mas apenas três, pois ambos são italianos, se chamam Guido e caíram em desgraça na política, devido a acusações semelhantes. Antes de ir para o exílio, o Guido de Florença escreveu poesias memoráveis como “Donna mi prega”, enquanto o de Gênova conduziu com pouca habilidade a economia do país, vendo-se agora em papos de aranha, tudo graças ao “verdugo” Sérgio Moro (outro italianinho). Nas mãos de Francis Coppola (que se pronuncia Cóppola), mais um italianinho, tudo terminaria em mais uma cena operística como a do final do “Poderoso Chefão” (parte III).
A mulher do ex-ministro está doente, o que retardou a sua prisão e fez o implacável juiz de Curitiba voltar atrás na sua decisão, motivando comentários maldosos de Lula e insinuações estapafúrdias, até prova em contrário, vinculando a absolvição de Mantega a sua suposta filiação ao PSDB. O que realmente surpreendeu, porém, foi a revelação bombástica feita por Eike Batista, um dos tantos empresários que nos governos Lula e Dilma gozou de privilégios não concedidos a outros. Num jogo de traições sucessivas, por ter “empobrecido” (isto é, por ter perdido alguns milhões do seu patrimônio bilionário), o ex-queridinho do PT também resolveu trair, seguindo a lógica que impera neste jogo político de baixo nível: a uma traição segue-se uma vingança que motivará a futura revanche de quem se sentiu traído e assim indefinidamente, até quando Deus quiser.
No início dos anos 50, Eisenhower elegeu-se com a campanha política pela televisão (pela primeira vez na história) que fazia um trocadilho em inglês com o seu “nickname”, isto é, Ike. Para desmentirem o ex-bilionário, acusador do ex-ministro, Lula e Guido poderiam usar também o inglês, divulgando o slogan: Eike fake (pronunciando Eike, e não “Aike”). Eike Batista, por sua vez, poderia usar o italiano e pagar na mesma moeda: Guido Disguido (onde “disguido”, em italiano, equivale a engano na entrega de uma correspondência ou a equívoco, em geral). Pelo menos, para os que tivessem algumas noções de inglês e italiano, a contenda entre eles ficaria bastante divertida e até inteligente.
E, last but not least, o escândalo que envolve Eike ou “Aike” demonstra claramente o relacionamento problemático e ambíguo que os petistas sempre tiveram com os industriais, o que equivale a afirmar: será que existem os industriais “bonzinhos” e admiradores da causa petista? Ou todos visam apenas ao próprio lucro e à exploração inconsequente dos operários? Nesse sentido, posso até dar um depoimento pessoal, pois, na juventude, 36 anos atrás, quando o PT estava nascendo e me parecia uma novidade no panorama político brasileiro, além de uma esperança, sobretudo para os jovens, de verdadeira renovação e de futura solução para os enormes problemas sociais brasileiros, o grupo de jovens simpatizantes do PT ao qual eu pertencia afirmava existir um industrial francês, no bairro do Ipiranga, em São Paulo, que tratava os seus operários de “igual para igual”, tendo sido inclusive torturado na época da ditadura militar. No entanto, os mais experientes do grupo logo procuraram liquidar a questão, afirmando que, no fim, todo industrial, assim como todo burguês, não merece a confiança de ninguém.
Assim comportaram-se os dois governos petistas com relação a industriais, investidores ou comerciantes como Eike Batista e Abílio Diniz: confiaram “desconfiando”, valendo-se do apoio deles quando necessário, mas abandonando-os quando a canoa começou a virar. Como resultado, temos a vingança de alguns deles, e mais deve vir por aí.
Permitam-me concluir, sem a grandeza poética de Guido Cavalcanti, mas procurando um pouco de diversão nesse mar de misérias e traições, com alguns versinhos e trocadilhos: Pulula Lula, pois o infido Guido (pronunciado à brasileira) tomou um strike do Eike (pronunciando “Aike). Ou então: Engula, Lula, o shake do Eike (pronunciando “Eike”) no esmilinguido Guido (pronunciado à italiana).
*Sérgio Mauro, é professor da Faculdade de Ciências e Letras da Unesp de Araraquara.