Os avanços da tecnologia atual permitem que um tipo de avião não tripulado e teleguiado possa sobrevoar extensa área geográfica explorando, fotografando, gravando dados e informações que podem ser objeto de análise para uma multiplicidade de tomadas de decisões. É o drone, criado em Israel por Abraham Karen e desenvolvido anos depois também nos EUA para uso militar anti-terror em especial. Hoje controla desde gado, fronteiras, plantações até estragos de origem natural como vulcões, tsunamis, furacões – economizando vidas, ajudando salvamentos e… eliminando terroristas com o menor dano colateral (vidas inocentes) possível.

Assim, estar aqui na Califórnia estudando oferece também a oportunidade de se observar o país como um drone – da economia, dos eventos sociais, da política e até, lógico – do esporte universitário ao profissional. Não é uma tarefa fácil porque implica em não só absorver a cultura americana em seus diferentes aspectos, mas também abandonar boa parte dos preconceitos latino-americanos que carregamos, quer queiramos ou não.
Que os EUA passam por um momento difícil internamente ninguém contesta por aqui. O país se encontra dividido em termos socioeconômicos. Falemos inicialmente do social: as tensões raciais voltaram a ser agudas como de décadas passadas em todo o país, mas em especial nos estados do sul, onde historicamente a escravidão se desenvolveu e que mesmo depois da guerra civil nunca foi em termos de antropologia, abandonada. As forças policiais se mostram substancialmente despreparadas em todo o país em face da ameaça terrorista depois de 11 de Setembro e os eventos menores que se sucederam.
Ao contrário das forças de segurança de Israel que sempre tiveram que conviver com a insegurança do terror sem esquecer preceitos de democracia e humanidade, as policias americanas mostram a insegurança e o despreparo de quem nunca teve seu território atacado anteriormente. Todo muçulmano é uma ameaça de nível 3, todo imigrante, de nível 2 e todo afro-americano, de nível 1. Como os afro-americanos são em maior numero, as estatísticas parecem mais estridentes com sucessivos eventos – anteriormente chamados de John Wayne (ator americano do século passado) – onde primeiro se atira e depois se investiga, ocorrendo em todo o país sejam em grandes ou pequenas comunidades. A facilidade de obtenção de armas de fogo faz com que a reação desta comunidade também seja proporcional, com sucessivos eventos de atiradores eliminando policiais em chamadas de rotina, geralmente armadilhas.
Como toda contra reação, a resposta é desproporcional: os próprios americanos estão chocados em ver suas cidades serem invadidas por carros armados e equipamentos de guerra adquiridos pelas policias municipais de estoques militares após o retorno do Iraque, o que para eles fere as bases constitucionais do país de liberdade de expressão e manifestação.
O problema é potencializado pela clara divisão econômica do país onde os latinos e afro-americanos se ressentem de não terem as mesmas oportunidades, a mesma educação e as mesmas ofertas de trabalho que os demais. Ainda pior é o influxo de imigrantes ilegais de todas as partes que aqui ficam ilegalmente trabalhando a salários inferiores ao salário mínimo, tirando empregos especialmente de jovens em inicio de carreira. Esses ilegais que já chegam aos milhões, têm direito a atendimento médico gratuito e têm a proteção de boa parte dos pequenos empresários que utilizam a desculpa dos altos impostos, para contratá-los a salários mais baixos que possibilitem a sobrevivência financeira do seu negócio.
Os acordos comerciais do país nos últimos anos em especial Nafta e a valorização do dólar frente outras moedas tem desencadeado um fluxo de empresas americanas para terceirização em outros paises que se por um lado mantem a inflação sob controle, derruba a oferta de empregos e o crescimento mais robusto do país. É difícil se encontrar produtos, roupas ou utensílios feitos nos EUA em gigantes do varejo como Walmart, Target e até on-line na Amazon a ponto de anúncios na TV ressaltarem quando um produto é fabricado no país – uma teórica diferenciação mercadológica para o consumidor americano.
Se as policias se mostram nervosas, despreparadas, antipáticas em contraste com seus pares europeus, nos hospitais a situação é ainda mais caótica, pois o sistema não comporta a salada mista que o Congresso, o Obama Care e os estados fizeram com a saúde. O custo explodiu tanto do seguro saúde como do atendimento criando uma grande legião de americanos que não conseguem atendimento e quando conseguem, não tem como pagar as contas e tem que decretar falência pessoal e perder o crédito – desde cartões de créditos a financiamento de veículos ou casas.
No campo político essas diferenças vêem mais à tona, num clima nunca antes visto, (pelo que dizem) de total desencanto com os dois candidatos à Casa Branca por boa parte do eleitorado que vai preferir (por enquanto) ficar em casa em vez de votar, o que aqui é permitido, pois o voto é democraticamente facultativo. A democrata Hillary é mais do mesmo – uma confusa política externa, um militarismo em decadência, saúde e impostos sem grandes mudanças e uma atuação dos grandes lobbies nas mesmas intocáveis posições que alem do apoio financeiro, lhe garante quase 80% da mídia – do New York Times à CNN (agora chamada de Clinton News Network). Seu grande calcanhar de Aquiles é sua péssima imagem de trapaceira, desde quando defendia seu marido em casos de estupro por ele cometido quando presidente, até agora quando deleta mais de 30 mil e-mails pessoais sob investigação pelo FBI (que o Wikileaks está soltando…). É uma mentirosa contumaz, longe da santa que os americanos exageradamente procuram, que tem um discurso para seus patrocinadores e outro para os eleitores. Trump e o eleitorado continuam não perdoando sua atuação na crise em Bengazi na Líbia com a morte do embaixador americano e outros soldados e diplomatas, sua posição na guerra com o Iraque e o malfadado acordo nuclear com o Irã.
Do outro o filibusteiro republicano Trump que fala das mulheres como a maioria dos homens latinos falam em bares tomando cerveja ou em vestiários após o jogo de futebol no fim de semana, algo que também as americanas exageradamente não aceitam. É a favor do controle nas fronteiras contra imigração mexicana e muçulmana em especial (o que desagrada as duas comunidades, mas agrada em estados conservadores), admite que quando pode não paga imposto usando as leis a seu favor (algo criado, mas deplorado quando se trata de alguém rico e bem sucedido). Atrai todos que querem sangue novo em Washington, de um empreendedor com pavio curto como o primeiro Roosevelt, Theodore praticamente 100 anos passados, capaz de reconstruir as forças armadas e o orgulho americano ferido na difícil política externa atual, enfrentando tanto Putim como os iranianos. Mas conta com a rejeição de quase todos os conservadores do seu próprio partido que vem nele uma ameaça ao modo de se fazer política em Washington há décadas.
Prognósticos difíceis numa eleição que parece gangorra. O ultimo debate neste domingo mais parecia um Caterpillar passando por cima de um Fusca. Hillary levou um sopapo de Trump em todos os assuntos levantados no que alguns analistas descreveram como um massacre. Nixon x Kennedy? Pode ser, mas os tempos mudaram, os americanos também e a mídia…

*Roberto Musatti
Economista (USP) Mestre em Marketing (Michigan State) Doutorando (CIBU-EUA)
Professor das Faculdades REGES.