Temos acompanhado com surpresa e angústia a evolução dos acontecimentos políticos na área de ciência e tecnologia no país. Não poderiam ser outros os sentimentos dos cientistas brasileiros. Ficamos atônitos frente a sucessão de fatos que mostram a clara perda de importância política do sistema de fomento à pesquisa nacional em um novo arranjo administrativo do recém-criado MCTIC. O mais recente desses fatos é a anunciada decisão de manter o Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (CNPq), a Financiadora de Estudos e Projetos (Finep), a Agência Espacial Brasileira (AEB) e a Comissão Nacional de Energia Nuclear (CNEN) subordinados a uma “Coordenação Geral de Serviços Postais e de Governança e Acompanhamento de Empresas Estatais e Entidades Vinculadas.”
Somos confrontados com o argumento de que essa decisão atende à necessidade de racionalização da máquina administrativa e de que não implicará em perda de recursos ou de efetividade das políticas dessas agências. Dada a dimensão das tarefas e responsabilidades atribuídas a elas, e considerando-se seu papel estratégico para um projeto de desenvolvimento do país, fica difícil imaginar que poderão cumprir essa missão como órgãos de quarto nível dentro da estrutura do recém-criado MCTIC. Seria abrir mão do bom senso acreditar que a necessária independência de decisões desses órgãos e sua capacidade de atuação será a mesma em tal situação.
A evolução institucional da área de CT&I no país é recente. Ela foi construída, como se sabe, devido ao trabalho articulado de cientistas e políticos que enxergavam ser o conhecimento gerado num ambiente científico robusto, o caminho mais curto para o desenvolvimento nacional. Foram pontos fundamentais nesse esforço a criação e estruturação institucional do CNPq (Lei 1310, 15/01/1951), da CAPES (Decreto 29741, em 1951), do BNDE (Lei .628, 20/06/1952), da FUNTEC (Resolução 146, 29/05/1964), FINEP (Decreto-Lei no 719, 1969) e MCT (Decreto 91.146, em 15 de março de 1985).
O sistema de C&T segue uma trajetória irregular, mas insistente que se configurou em um projeto de desenvolvimento com base na geração de conhecimento científico e tecnológico. A “insistência” da sociedade brasileira em optar por esse caminho não se apoia em decisões de momento e sim em um longo processo que tem como marco decisivo a criação do CNPq, em 1951. Não foi por acaso que a implantação do MCT, 34 anos após a sua fundação em 1985, como parte de uma nova etapa na vida democrática do país, foi saudada por toda a comunidade científica e lideranças políticas como avanço de grande significado.
Longos períodos de escassez de recursos, ou mesmo a perda do status de ministério do MCT, que se tornou uma secretaria durante o governo de Fernando Collor, não impediram a retomada dessa evolução. O papel essencial das agências (CNPq, FINEP, AEB, CNEN) como formuladoras e articuladoras de políticas estratégicas acabou por prevalecer. Hoje, os resultados do modelo são visíveis nos ganhos obtidos, mesmo considerados os erros em que essas políticas possam ter incorrido. O saldo é claramente positivo: junto com outras iniciativas, permitiu que se alcançasse, em CT&I, um patamar mais do que satisfatório para um país jovem que convive com tantas limitações, e assegurou forte interlocução do setor com os países desenvolvidos. O recado expresso na redução de importância das agências não poderia ser mais desanimador.
É oportuno não esquecer a mensagem do prêmio Nobel de Química de 1908, Ernest Rutherford, dirigida a seus compatriotas ainda no início do século passado: “A ciência está destinada a desempenhar um papel cada vez mais preponderante na produção industrial. E as nações que deixarem de entender essa lição hão inevitavelmente de ser relegadas à posição de nações escravas: cortadoras de lenha e carregadoras de água para os povos mais esclarecidos”.
Com a visão privilegiada de um dos artífices das mudanças científicas que estavam ocorrendo no mundo, ele não tinha dúvidas sobre o lugar destinado a quem ignorasse o papel da ciência no futuro.
*Vanderlan da S. Bolzani é diretora da Agência Unesp de Inovação e Vice-Presidente da SBPC – Sociedade Brasileira para o Progresso da Ciência.