O ano de 2016 ofereceu muitos exemplos do comportamento intolerante de pessoas, instituições e governos contra a diversidade do viver humano: isso está bem claro na situação dos migrantes forçados da África e do Oriente Médio, que em viagens de horror, sob condições desumanas em embarcações de alto risco, são recebidos com alto nível de rejeição na chegada à Europa.

Em nosso País, também, sobraram esses exemplos negativos: a deposição da Presidente da República foi um típico episódio de intolerância, atropelando leis, ritos jurídicos e a própria essência do que se chama democracia; de modo intolerante, e fora da lei, tem se comportado um grupo de juízes e promotores que se acham acima da lei, prendendo pessoas (preventivamente?…) sem culpa formada ou sentença judicial condenatória, exigindo confissões forçadas e espalhando segredos de justiça, tudo como nos processos da velha, tão mal lembrada e malévola Inquisição.
É a intolerância se tornando a norma de conduta das pessoas e instituições, plasmando comportamentos entre a população e gerando essas atitudes contidas nas redes sociais com manifestações de preconceitos explícitos contra pessoas e idéias, sem posssibilidade de pensar e debater temas sociais, políticos ou religiosos.
Há um século, em 1916, o cinema abordava o tema na obra Intolerância , um clássico de David W. Griffit, enquanto, ao mesmo tempo, numa guerra mundial de conquista de mercados e territórios, os mesmos impérios colonialistas da Europa e Ásia, junto com o capitalismo expansionista norte-americano, todos estavam refazendo de modo intolerante a geografia, a política e o comando econômico do planeta.
A intolerância virou história de cinema…
Mas, nem tudo ficou perdido nessa avalanche de intolerâncias: há muita esperança nas atitudes de algumas lideranças em várias partes do mundo, denunciando a intolerância e buscando levar consciência às pessoas sobre seus direitos individuais e sobre a livre expressão das idéias.
No âmbito mundial, com muita repercussão, foi possível constatar a atitude pacífista, amorosa e tolerante do papa Francisco, que fez questão de participar com os luteranos da comemoração dos quinhentos anos da Reforma Protestante de 1516, um fato histórico importantíssimo, pois ajuda a afastar a intolerância religiosa entre as partes: a presença do papa Francisco num culto protestante de comemoração de meio milênio da Reforma representa uma atitude ecumênica de muito respeito, sendo uma aula de tolerância e amor ao próximo.
E esse fato traz à lembrança a chegada à Sorocaba de D. José Melhado Campos, vindo como bispo auxiliar do já idoso primeiro bispo local, D. José Carlos de Aguirre, em 1965. Por esse tempo, a cidade sentia, ainda, os ecos dos confrontos religiosos ocorridos seguidas vezes, desde a chegada dos primeiros protestantes suecos e alemães para trabalhar na Fábrica de Ferro de Ipanema, no início do
século 19, situação que mantinha os reformados a uma certa distância defensiva com relação aos católicos.
Mas o que se viu na chegada do bispo foi um raro e nobre momento de tolerância que precisa ser ressaltado, pois houve quem, deixando de lado a desconfiança que ainda pudesse existir entre as partes, lutou pela idéia de receber o bispo católico no templo presbiteriano, demonstrando a fraternidade das igrejas cristãs: essa pessoa foi o reverendo Matheus Benevenuto Jr., que teve o entendimento para propor e fazer realizar esse encontro de boas vindas ao bispo católico, o qual, por sua vez, de muito bom grado e afeto aceitou comparecer ao ato ecumênico entre as duas comunidades religiosas.
E, assim, na tarde do dia 10 de maio de 1965, Sorocaba viu ocorrer essa inusitada recepção do bispo D. José Melhado Campos pelo Conselho de Pastores de Sorocaba e pelos membros da comunidade protestante, encontro que se realizou na Primeira Igreja Presbiteriana, da rua Santa Clara, com seu salão de festas lotado e com a saudação ao bispo proferida pelo reverendo Matheus.
A memória deste fato vem através de minha mãe, Orminda de Campos, presbiteriana histórica, que confeccionou um bolo decorado em formato de livro, colocado sobre a mesa oficial do evento, com os seguintes dizeres do versículo primeiro do Salmo 133:
“”Oh!, quão bom e quão suave é que os irmãos vivam em união!””
Felizmente, esses fatos ocorreram um dia, e podem bem demonstrar que é possível desenvolver a tolerância e o amor ao próximo mesmo quando as partes não pensam de modo exatamente igual.
Haja esperança em 2017.

*Médico e psicoterapeuta.