Com resultados apertados das últimas eleições presidenciais equatorianas, que fizeram o Conselho Nacional Eleitoral do país pedir mais alguns dias para confirmar se haverá ou não segundo turno, o país parece se encaminhar para uma situação de tensão nos próximos dias. A disputa entre o candidato do governo, Lenin Moreno, e de oposição, Guillermo Lasso, já nas primeiras horas de contagem dos votos, ganhou as ruas e os ânimos se acirraram. Moreno foi vice-presidente de Rafael Correa, atual mandatário, que na impossibilidade de pleitear a vaga novamente, deu total apoio ao primeiro cadeirante a postular a presidência equatoriana. Conhecido por sua luta pelo acesso e inclusão dos deficientes físicos, ele prometeu dar continuidade aos logros sociais e ambientais da Revolução Cidadã. Já seu opositor, o banqueiro Lasso, é um político experiente, que já trabalhou com ex-presidentes bastante contestados do país, como Jamil Mahuad e Lucio Gutiérrez. Representa os setores médios e altos, que discordam das políticas de esquerda de Correa, e defende propostas liberais para a economia, no sentido de retomar os rumos que o país seguia antes da ascensão correísta. São, portanto, dois projetos em disputa: a continuidade ou o retorno ao que se tinha antes de Correa, período denominado neoliberal.
As corriqueiras comparações entre Rafael Correa e Hugo Chávez, decorrentes, sobretudo, do alinhamento político entre os países que se autointitulavam bolivarianos e das reformas constitucionais que empreenderam, contudo, devem ser cautelosas. As trajetórias pessoais na política guardam poucas semelhanças e as ações internas, como o difícil relacionamento com a mídia, por exemplo, tem mais relação com a desestruturação inicial dos partidos políticos de oposição, que cederam seu lugar para os meios de comunicação privados, do que com atitudes imitantes. Após anos sob um mesmo governo, os partidos tradicionais perderam fôlego, porém no Equador a oposição continua sendo majoritariamente composta por velhos políticos, enquanto que na Venezuela os principais opositores são oriundos de uma nova classe política, forjada na polarização. Ambos os líderes, Correa e Chávez, no decorrer de seus mandatos que chegaram e excederam uma década, respectivamente, mantiveram um forte apelo com a população, cultivando altos índices de popularidade. Venezuela e Equador são também exportadores de petróleo, fator que lhes aproxima em certa medida, porém o primeiro tem uma pauta produtiva praticamente nula, enquanto que o segundo apresenta maior diversificação em termos de setores econômicos.
A conjuntura recente de derrocada de governos de esquerda na América do Sul, entretanto, suscita a questão de se o Equador pode seguir os passos da Venezuela, que hoje vive uma grave crise econômica, política e social. Apesar de também haver polarização política, o cenário econômico e social equatoriano parece mais estável que o venezuelano. Portanto, as semelhanças no campo político podem levar a uma deterioração das relações políticas, especialmente diante de um resultado eleitoral tão apertado quanto o que se desenha. Com a apuração de 88,4% das urnas, Moreno tem 39,11% dos votos e Lasso 28,3%, o que levaria a disputa para o segundo turno. Entretanto, se o candidato governista alcançar os 40% e mantiver a distância de mais de 10% do segundo colocado, ele leva o pleito já no primeiro turno. Diante de tal indefinição, a decisão de fazer uma apuração ainda mais cuidadosa – e que levará, por conseguinte, mais dias – deve garantir que o processo equatoriano de transição ou continuidade de governo seja mais tranquilo que o venezuelano. Se isso ocorrer e o resultado for favorável a Moreno, o Equador será uma resistência de esquerda em um continente mais hostil; se o opositor ganhar, todavia, o país deve aderir à nova onda conservadora da região. No entanto, independente do resultado, o importante é que se mantenha a prudência na condução desse processo, pois diferentemente da Venezuela, o Equador tem mais condições de manter a estabilidade.
*Doutoranda em Relações Internacionais pelo programa San Tiago Dantas (UNESP, UNICAMP e PUC-SP), pesquisadora do Instituto de Estudos Econômicos e Internacionais da UNESP e professora da Escola Superior de Administração, Marketing e Comunicação de São Paulo.