Vou chamá-lo Carlos. Funcionário do Ministério da Justiça, censor chefiado por dona Solange, a dama da tesoura. Abomináveis anos 70, governos dos generais Medici, Geisel e Figueiredo. Eu o encontrava quase todas as semanas, e ele contava em detalhes como o departamento de censura daqueles dias controlava a imprensa e mutilava toda tipo de arte – músicas, novelas, livros, peças de teatro, filmes…
Cortavam sem dó nem piedade. Obras inteiras. Histórias inteiras. Frases, nomes, referências. Eram dedicados e atuantes. Tão bizarros que protagonizaram, claro, casos surreais… Certa vez, proibiram um anúncio de absorvente. Carlos discordava dos métodos de dona Solange, e encontrava num jornalista o caminho para denunciar o que considerava arbitrariedade. Tudo era arbitrariedade.
Convivemos com a censura oficial por mais de 20 anos. No dia 3 de agosto de 1988, o direito à livre expressão foi devolvido ao cidadão pela nova Constituição brasileira. “É livre a expressão da atividade intelectual, artística, cientifica e de comunicacao, independente de censura e licença”, estabelece o inciso IX do artigo 5o. da Carta Magna.
E rapidamente, criamos outras. Censura social, crescente no nosso dia-a-dia. De nomes menos feios que “censura”. Crítica, juízo, discordância. Nada de novo no que digo, assunto velho, recorrente. Atreva-se a se posicionar nas redes sociais, à esquerda, ou à direita, e levará chumbo. E que não segue nem uma corrente nem outra, apanha tamb& eacute;m. Em tom de reprimenda, é chamado de ïsentão”.
Maldita censura. Difícil convivência nas redes sociais, nos bares, nas rodas de conversa. Os ativistas de plantão rotulam como querem os que não se alinham as suas idéias. Enquanto a censura oficial estropiava as redações e criações artísticas, a repressão social quer amputar nossas idéias.
Não, não há comparação com o tenebroso regime militar. Nos governos militares, quem se rebelasse ia preso, era torturado, muitas vezes morto. Não havia qualquer resquício de liberdade política. Hoje, plena liberdade.
Podemos nos expressar, é fato, mas é bom preparar o couro. Se for apanhado pela censura social, não adianta espernear. Condenado, não terá direito a sursis. A única saída para quem não quer padecer sob a patrulha repressiva, acredite, é encarar. São Impiedosos. Inclemente censura.
*Jornalista